sábado, 30 de julho de 2011

SE NÃO LHE DER PARA A CAGANÇA

O TUGA É ASSIM!...


Com a praia de Moledo igual aos melhores dias do Guincho, nem os bares mais abrigados consentiam permanência demorada. Praia, só para o Windsurf dos devotos; para os demais, essa tarde da passada semana, só deu fugir a toque de areia.
Em vez de um aborrecido regresso a casa, melhor seria procurar brisa mais amena em direcção ao mais rural interior da povoação. Há muito tempo que não subia para aquelas paragens. E depois de caminhar o bastante, não tardou a encontrar o refúgio adequado: um tasco da aldeia, acolhedor e fresquinho, mais que convidativo para o refrescar da praxe com cerveja. Vai daí, entrar e sentar. No seu posto, apenas a tasqueira a dar à língua com parceira habitual. Pouco depois, chegaram dois ex-emigrantes cá do Minho mas dos lados de Paredes de Coura que o acaso fez com que se encontrassem por ali. Havia bastantes anos que não se viam e também algum tempo que tinham regressado de França, definitivamente.

Quando me cruzo com estas pessoas em ocasiões destas, agrada-me ouvi-las, se não resolverem armar ao finório, se forem genuínas, como foi o caso. Do que não gosto é de participar, por dever de delicadeza, de muitas conversas enfadonhas com os conhecidos da nossa terra, fingidos como são a maioria.

Segundo os relatos destes homens, labutaram pelos francos durante meio século. Como a maioria dos que vimos partir de cá, nos idos anos da nossa adolescência, residiram pela periferia norte de Paris em cidades satélite, casos de Clichy ou Saint-Denis (como alguns de nós tantas vezes escrevemos, nas cartas dos conterrâneos analfabetos que por aqui ficaram, sempre que respondiam às cartas dos familiares que por lá estavam). Também eles começaram na dureza dos trabalhos da construção como a maioria; depois acabaram ambos a conduzir camiões de transporte de mercadorias.

Aquilo que mais chamou a minha atenção foi ouvir daqueles homens, de volante diário nas mãos pelos subúrbios de Paris, apenas e só esta realidade: nunca tinham estado no centro da capital, com a cosmopolita cidade ali tão perto...
A família e os amigos com quem conviviam habitavam também pelas mesmas zonas e nas muitas viagens a Portugal, sempre circulavam afastados do coração da cidade-luz. Assim passaram dezenas de anos, num quotidiano tão austero e limitado. Espantoso!...
Para maior rigor, o caso de "uma vitesse terrível" diz respeito a uma única tentativa feita por um destes humildes portugueses, para circular pelo centro de Paris. Certo dia, acompanhado por um genro, meteu o carro ao caminho. Descreveu assim: "aquilo era carros por todos os lados, pela direita, pela esquerda, nem sabia quem tinha prioridade; ora parava, ora arrancava, não adiantava; apareciam de qualquer lado e com ‘uma vitesse terrível’... Quando consegui retomar o caminho de volta, só paramos em casa; fomos e viemos sem sair do carro. Nunca mais tentei!..."
O outro amigo, para que não houvesse dúvida exclamou: "Eu é que nunca me meti nisso; todos com quem falava me diziam para não ser maluco meter lá o carro. Mas conheço quase todas as ‘auto-routes’ francesas..."

Com todas estes constrangimentos, esta pequenez se não mesmo tacanhez, esta pobre gente, humilde e rude, por mais que sejam os anos que vivam longe da sua terra, nunca quebram os laços que os ligam às suas origens. Pelo contrário, sempre aproveitam qualquer situação que surja para os reforçar.
Aquilo que narram e recordam é descrito com tal pormenor e rigor (veja-se como se referem a acontecimentos e datas, sejam remotas ou recentes, com a precisão de quem as relembra todos os dias) que são essas memórias vivas o que anima a esperança imensa de um retorno cada vez mais próximo. Porque, para qualquer emigrante (dos daquela época e daquelas paragens) todos os dias são considerados vésperas de um regresso tão desejado desde que essa partida forçada aconteceu.

Só os portugueses serão capazes disto? Dificilmente existirá outro povo assim!