O FIM DAS VACAS GORDAS
O extraordinário número de independentes (?) que se
candidata à presidência das câmaras talvez seja o primeiro sinal da próxima
desagregação dos partidos tradicionais, sobretudo do PS e do PSD, que tomaram
conta do Estado e nos governaram durante 30 anos. Contra o senso comum, há mais
socialistas (19) que decidiram abandonar o rótulo do partido do que
"sociais-democratas" (12). Mas vendo mais de perto a coisa não é
assim tão estranha. Mal ou bem, Pedro Passos Coelho lá se vai aguentando e as
ruínas que deixar ainda podem no futuro servir para alguma coisa. Infelizmente,
nem agora, nem no futuro, Seguro, com o seu realejo e a sua vacuidade, não
promete nada a ninguém. E pior: parte do eleitorado PSD parece mais fluido e,
por isso, mais susceptível de acreditar numa solução milagrosa.
De resto, os próprios candidatos que o PSD apresenta
oficialmente evitam exibir nos cartazes o emblema da casa. Julgam que por este
subtil processo evitam a sua associação aos desastres que o Governo dia a dia
faz cair sobre os portugueses. Julgam com certeza que os portugueses são
mentecaptos. O PS, pelo contrário, insiste em se apresentar com a militância do
costume e, muito ajudado pelos "tempos de antena" de Sócrates, põe
instantaneamente em coma o cidadão vulgar. Entregar ao dr. Seguro a salvação da
Pátria é a última ideia que passa pela cabeça de uma pessoa sensata ou mesmo de
um louco reconhecido e público com um ou outro intervalo de lucidez. Os
"socialistas" com um pequeno resto de massa encefálica preferem que
Passos lhes tire as castanhas do lume, para depois proclamarem o seu
sacratíssimo direito à "alternância".
Mas sucede que a ebulição em que andam as máquinas dos
partidos se deve manifestamente à redução drástica da sopa do convento. Acabou
a época em que se fundavam "empresas municipais" para aconchegar os
bolsos da ladroagem local; da "reclassificação" de terrenos; dos
vereadores sem espécie de função; dos centros de cultura; dos cursos
universitários sem universidade e sem alunos; da ornamentação urbana e das
rotundas; das grandes festas para a populaça; dos jornais subsidiados para
criarem o culto do "presidente"; do ócio quase permanente e de várias
alegrias, que faziam o misterioso encanto da autarquia. A indisciplina
partidária, que a troika trouxe na sua bagagem, transformou o antigo paraíso
numa guerra corpo a corpo pelo que sobrou do tempo das vacas gordas.
Vasco Pulido Valente - Público