O PAÍS DAS MARAVILHAS
A Constituição de 1976 foi fabricada em circunstâncias que
todo o país conhece, isto é, em circunstâncias em que nunca deveria ter sido
feita. Depois disso, várias revisões tentaram remover o lixo que lá tinha
deixado o PC, o PS e genericamente o ar do tempo. Primeiro, o PS concordou em
retirar a tutela militar, de que desde o princípio não gostava, e que impedia
terminantemente a nossa gloriosa entrada para a "Europa". E, a
seguir, já com Cavaco no poder, as nacionalizações deixaram de ser sagradas.
Mas continuaram na Constituição os vícios que a maior parte dos políticos
achava necessários para evitar os defeitos do Constitucionalismo Monárquico, da
I República e da Ditadura; e para construir um regime equilibrado, com um
executivo duradouro e estável.
Para começar, por causa da antiga influência do rei e da
autocracia de Salazar, Portugal escolheu um semipresidencialismo, em que o
Presidente ficou quase sem poderes, excepto o poder de dissolver a Assembleia,
sempre um acto arriscado e, em trinta anos, raramente exercido. Em segundo
lugar, por causa da fissiparidade dos partidos na I República, a lei eleitoral
estabeleceu grandes círculos de lista, que não permitiam ao eleitorado saber em
quem votava e que favoreciam sem vergonha, como no fim da Monarquia, quem
arranjasse mais dinheiro, conseguisse o apoio de instituições influentes (como,
por exemplo, a Igreja) ou logo em 1974-75 se houvesse instalado no Estado,
particularmente nas câmaras. Sem surpresa, os partidos passaram a mandar e o
centro da política depressa se fixou na intriga interna que continuamente
fervia no PS e no PSD.
E, desta honestíssima maneira, acabou nas mãos de
indivíduos, sem espécie de currículo ou competência, que, não se sabe porquê,
prevaleciam nas guerras domésticas de uma das seitas dominantes. O sistema não
deu, como se conclui agora, um resultado brilhante. Mas persiste um horror mudo
à ideia de um Presidente, chefe do Estado e do governo, eleito pelo povo e
removível de quatro em quatro anos, pessoalmente responsável por um programa e
com a força suficiente para impor a reforma da administração (central e local),
da justiça, das finanças, da fiscalidade e dos serviços ditos sociais. Um homem
com experiência e prestígio, suficientemente examinado não nos serve; um homem
promovido pelas "bases" de uma facção qualquer, com a sua fraqueza e
os seus compromissos, é a garantia de que a anarquia mansa em que vivemos
persistirá.
Vasco Pulido Valente - Público
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