Consequências da “bolha imobiliária”
Em Espanha, o governo resolveu fazer acordo com a banca para
a suspensão das execuções hipotecárias. Desde os primeiros sinais da crise, quando
se iniciaram os despejos por incumprimento, foram desalojadas cerca de meio
milhão de famílias. Contudo, só houve intervenção governamental depois do recente
suicídio de uma mulher, no momento em que recebia ordem policial para abandonar
a casa. A seguir, não faltaram famílias em protesto junto aos bancos pelas
principais cidades, polícias que se recusaram a proceder aos desalojamentos, tudo
muito tenso e dramatizado, como habitualmente reagem os espanhóis. Mas com esta
moratória temporária, não vimos que se discutissem as principais arbitrariedades
da banca, espanhola e portuguesa, ou comunitária. Até parece que os bancos
tiveram um comportamento irrepreensível até se ter chegado a este desastre
financeiro. Nem sequer precisaram de ser resgatados com dinheiros públicos… É
bom lembrar que nos EUA qualquer hipoteca imobiliária tem apenas a garantia do
próprio imóvel. É um crédito imobiliário; não é pessoal. Quem não cumpre, perde
tudo o que pagou, entrega a casa e conta saldada. Mas por cá, nada disto parece
bastar.
Depois do auxílio à emergência das famílias em situação
difícil, o governo espanhol prepara agora uma medida para socorrer o agonizante
mercado imobiliário. Procura assim reanimar a concessão de crédito bancário e
promover o escoamento de milhares de casas à venda no mercado. Com imensos
ilegais aguardando a legalização, tão difícil de conseguir nos últimos tempos,
a saída agora encontrada tem tanto de estranha como de perversa: Conceder
autorização de residência aos cidadãos estrangeiros que adquiram casa no valor
mínimo de 160.000€. Para quem se destina esta medida? Para as sul-americanas
clandestinas que se dedicam ao trabalho doméstico enquanto aguardam licença
para residir? Para os africanos subsaarianos que diariamente chegam de barcaça
à costa mediterrânica? Ou para russos e chineses, os únicos capazes de ter dinheiro
para comprar casa? É bem possível que se trate apenas duma contrapartida para
compensar a banca das moratórias que foram obrigados a conceder.