domingo, 31 de março de 2013

Feliz Páscoa


Em tempos estranhos e de tanta tolice...


NÓS, AS CRIATURAS

É um prazer ver um rebanho. Esta semana vimos um com uma ovelha negra ainda na fase da adolescência. Os borregos saltitavam como ómegas. O verbo inglês é gambol. Em português como é? Os gatos e as raposas também fazem estas levitações instantâneas, sem balanço de qualquer espécie.
Só há duzentos e tal anos é que a grande maioria de nós não vive com os animais como vizinhos, inquilinos e, sobretudo, guardiões, garantindo a nossa sobrevivência. Aqui ao pé de nós temos o compadrio dos pombos, a indignação de gansos, o desprezo dos melros, a concorrência selvagem dos patos, as marchas dos perdigotos atrás das perdizes. Há cães abandonados - alguns sobrevivendo como fantasmas brancos - e outros que encontraram donos melhores e mais fiéis do que os primeiros.
Estão escandalosamente escondidos dos nossos olhares os animais que mais matamos e comemos: os frangos, os porcos, os novilhos, os coelhos, os peixes até. Se os víssemos vivos, mais vezes do que vemos (quase nunca), se calhar não seríamos tão vorazes. O rebanho que seguimos é a melhor máquina aparadora de relva que já vi. Os pastores e o cães são amigos das ovelhas: elas têm uma vontade geral e estúpida, como Rousseau inventou inteligente e erradamente, para as pessoas.
A Primavera é uma reabertura não só de plantas como de bichos, pessoas e climas. Junta todos os seres vivos na altura. É pena termos aprendido, entretanto, a distinguir entre eles. E entre eles e nós, como criaturas.

Miguel Esteves Cardoso - Público



sábado, 30 de março de 2013

O planeta Sócrates

José Sócrates em entrevista à RTP

“Em Portugal, a diferença entre a honestidade e a vigarice desapareceu. E no entanto toda a gente se ri, sem razão.” (Vasco Pulido Valente)

A única "narrativa" é a do ficcionista José. Alberto Gonçalves

O velho Sócrates do ódio patológico. João Pereira Coutinho

Caso psi de negação da realidade e da verdade. Eduardo Cintra Torres  

Da miséria e da menoridade dos conspiradores. Henrique Monteiro 

Vitmização de um injustiçado com futuro. Paulo Fonte

A verdade de um umbigo falante. Paulo Pinto Mascarenhas 

Sócrates foi eleito deputado nas últimas eleições legislativas. Então que ocupe o seu lugar na bancada do PS e intervenha a partir da "casa da democracia. José Diogo Madeira 

Os portugueses adoram regressos. Voltar a ver uma personagem que desapareceu, como no caso de Sócrates, desperta no mínimo curiosidade, acompanhada de um ódio visceral ou de uma admiração infantil. Carla Hilário Quevedo

sexta-feira, 29 de março de 2013

Para começo do contraditório



"O contrato com Sócrates para ser comentador semanal no canal público de televisão teve de partir, ou de passar, por Relvas. Isso é óbvio. É uma contratação que infelizmente não surpreende porque, na verdade, José Sócrates e Miguel Relvas são políticos siameses. A história da licenciatura de Relvas foi o primeiro sinal de uma semelhança que se revela bem mais funda: o mesmo fascínio pelo mundo dos negócios, o mesmo desprezo pela cultura e pelo mérito, o mesmo tipo de relação com a comunicação social, o mesmo apego sem princípios ao poder e, acima de tudo, a mesma lata, uma gigantesca lata!

Como já há tempos afirmei, Sócrates e Relvas são sem dúvida os dois políticos que mais contribuíram para a crise moral, e de confiança, que o País atravessa. São casos que a radical mediatização dos nossos dias facilita. Nomeadamente, porque ela abriu as portas à irrupção de um novo tipo de político, que trocoua imagem de cidadão esforçado, reservado e responsável de outros tempos, por um perfil em que o traço dominante é, simplesmente, o da lata. E essa lata, é o quê? É sobretudo a expressão de uma afirmação pessoal sem limites de qualquer ordem, que tudo arrasa no seu caminho, num júbilo mais ou menos histérico.

Os "políticos de lata" estão em sintonia com muitas transformações do mundo contemporâneo, e que é por isso que eles suscitam inegáveis apoios e vivas controvérsias. Figuras maiores, bem ilustrativas deste fenómeno, são Sílvio Berlusconi ou Nicolas Sarkozy. São sempre criaturas mitómanas, destituídas de superego e, portanto, de sentido de culpa ou de responsabilidade. Revelam uma contumaz incapacidade de lidar com a frustração, que é, como Freud bem ensinou, onde começam todas as patologias verdadeiramente graves. Com eles, tudo se dissolve num narcisismo amoral, quase delinquente, que vive entre a alucinação de todos os possíveis e a rejeição de quaisquer limites.

A lata tornou-se num traço político muito frequente, que anima os mais variados, e lamentáveis, tipos de voluntarismo. Não admira pois que os políticos de lata se singularizem, não pela sua dedicação a causas ou a convicções, mas pelos intermináveis casos em que se envolvem e são envolvidos. É também por isso que eles têm sempre que tentar voltar - foi assim com Berlusconi, é o que se tem visto com Sarkozy, chegou a vez de José Sócrates. Não resistem... e todos encenam, para disfarçar a sua doentia obsessão com o poder, umas travessias do deserto mais ou menos culturais... Berlusconi com a música, Sarkozy com a literatura e o teatro, Sócrates com a filosofia. Mas o seu compulsivo "comeback" acaba sempre por se impor, porque ele é o tributo que eles têm que pagar à sua tão vazia como ilimitada mitomania. 

O que Sócrates deve fazer é assumir as suas responsabilidades na crise, e pedir desculpa aos portugueses - e para isso bastava uma entrevista pontual, sóbria, esclarecedora e responsável. É isso que os Portugueses merecem, é disso que a nossa democracia precisa, e é a isso que o Partido Socialista tem direito. Ficar a pastar nos comentários, pelo contrário, é puro circo político, e do pior: é usar o horário nobre do serviço público de televisão para jogadas de baixa política e de pura revanche política pessoal." 

Manuel Maria Carrilho Ler mais

Fala quem sabe e bem conhece a criatura. E nada melhor que uma "narrativa" sobre as principais qualidades dos grandes "animais políticos" do nosso tempo. O bicho promete e a desforra também. Haja animação e bofetada se necessário.     

quinta-feira, 28 de março de 2013

A narrativa do aldrabão



Sócrates regressou ao "palco mediático", igual a si próprio e no seu melhor, obcecado com o passado de que foi nefasto protagonista, determinado na árdua tarefa da sua recuperação política. "Bem preparado", na apreciação dos seus correlegionários, cedo mostrou ao que vinha: contrariar "a narrativa única" de ser ele o grande responsável pela falência de Portugal. Nas suas palavras, uma enorme falsidade que os portugueses interiorizaram, porque não existe verdadeira oposição a quem hoje nos governa, porque a comunicação social não tem "verdadeiro contraditório", porque era urgente restituir a verdade (não se sabe a quem) como presume ser sua missão. Para o País, que desgraça ter sido um irresponsável governante, que náusea suportar agora semelhante descaramento.

Quem esquecesse a forma de estar na política do ex-primeiro-ministro, esperaria o seu regresso num papel bem diferente: o de analista-comentador, munido da acutilância e da contundência dos mais temidos. Só que, não é essa a sua natureza, nem é para isso que ele agora regressa. Para o que veio, justificar fracassos, é indiferente ter demorado tanto ou ter iniciado mais cedo as hostilidades. Mas voltar com a única preocupação de bem-contar uma história que considera deliberadamente deturpada, é patético propósito de quem pretende vingança a eito. Tudo, sem admitir erros próprios e assacando culpas aos demais. São conhecidas as suas tendências para o abismo, mas também se conhecem as suas legítimas ambições. E este não é certamente o caminho da regeneração que o destino lhe exigirá. 

Centrado na narrativa da vitimização, Sócrates voltou a insistir nas máximas da "ficção socrática", uma realidade que carregamos e não esqueceremos tão cedo. Ardilosamente, a criatura utilizou uma mistura de manha e de mentira para voltar ao estafado exercício da manipulação dos dados e da negação das consequências, apenas para confundir os incautos, acerca das medidas desastrosas aplicadas pelo seu Governo. Simplesmente, um regresso ao passado, para negar o que já negou, para mais uma vez repetir o que estamos fartos de ouvir. Até a argumentar trafulha. A certa altura, argumentou com a necessidade de "desmontar embustes" fantasiando com novos embustes. Habituado a conduzir as entrevistas e os debates segundo o seu arbítrio, chegou a ser mal-educado com os jornalistas. Nada que altere muito o que pensa a larga maioria dos nativos que abominam "o homem do último resgate nacional".  

Se pretende "tomar a palavra" para continuar com a "narrativa do ajuste de contas", semanalmente... 

quarta-feira, 27 de março de 2013

Lugar para tudo



SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS - MAIS OU MENOS PROSÁPIA

Em Espanha, tanto na rádio como na televisão, as tertúlias sobre a actualidade e também especializadas sobre desporto, cinema, tourada e outros espectáculos, preenchem grande parte dos horários com maior audiência. O formato do analista individual (invariavelmente político sem cargo na reserva) que semanalmente por cá se pronuncia sobre a actualidade política é coisa estranha na comunicação social espanhola. Daí terem achado muito estranho o regresso de um ex-chefe de governo como José Sócrates ao espaço mediático. 
Na classificação para o mundial de futebol, portugueses e espanhóis disputaram jogos quase decisivos para o apuramento. Previamente, todos referiam a necessidade de não falharem para evitarem jogos de repescagem entre os que não vençam os seus grupos. Conclusão óbvia. Com tal preocupação, foi discutida numa dessas tertúlias sobre futebol, a eventualidade da Espanha não conseguir evitar os jogos entre aflitos. Sem reservas e algum desplante concluíram o seguinte: a FIFA não deixaria de ter em conta os azares de grandes selecções como Espanha, Portugal ou Inglaterra, facilitando a sua tarefa, por serem presenças imprescindíveis no mundial do Brasil. Estamos entendidos. Depois não querem que o Mourinho se indigne e proteste contra as trafulhices que o prejudicaram em benefício do seleccionador espanhol. Parece que vale qualquer coisa. Por fala em vícios...




COMO AS COISAS FORAM E SÃO - JAMAIS FICARÁ "ELA POR ELA" 

Há 60 anos, 20 países, entre eles Grécia, Irlanda e Espanha, decidiram perdoar mais de 60% da dívida da Alemanha (República Federal ou Alemanha Ocidental). O tratado, assinado em Londres, foi determinante para o país se tornar numa grande potência económica mundial e num importante aliado dos Estados Unidos, durante as décadas da Guerra Fria contra a antiga União Soviética. Quem te viu e quem te vê, Alemanha. Outros tempos.



Miguel Relvas

COM TANTA CHUVA COMO A RELVA CRESCE 

É oficial. Já foi proclamado em Diário da República e tudo: acabaram-se os subterfúgios, a camuflagem, a vergonha até. O chamado “superespião” vai usufruir, presume-se que nos intervalos do seu julgamento, de um gabinete com ar condicionado para suavizar a travessia do deserto. A lata é tudo.





As estátuas antes e depois dos trabalhos exigidos por Berlusconi, em 2010. Agora, voltaram ao seu estado inicial

É A PROEMINÊNCIA ARTÍSTICA ESTÚPIDO... 

Duas estátuas antigas de Marte e Vénus, expostas na sede do Governo italiano, perderam os "acrescentos" polémicos que tinham sido acrescentados a pedido do então primeiro-ministro Silvio Berlusconi: Marte perdeu os seus atributos viris e Vénus as duas mãos. Como achava as estátuas em mármore incompletas, Berlusconi solicitou em 2010 que o caso fosse solucionado, apesar das críticas dos historiadores de arte. Marte recuperou então uma mão, o seu escudo, o pénis e a ponta da espada. Já Vénus recuperou as duas mãos. Datadas de 175 d.C e encontradas em 1918 em Óstia, perto de Roma, as estátuas de 1,4 toneladas e de 2,28 metros representam o deus da guerra, na forma do imperador Marco Aurélio, e da deusa do Amor, como a sua mulher Faustina.


terça-feira, 26 de março de 2013

Diagnósticos do caos



Martin Taylor  no “Financial Times” sobre Portugal: “É um país onde tudo está à venda e ninguém compra nada".


No recente artigo publicado no “Financial Times”, ex-CEO do Barclays alerta que os governos e os bancos centrais estão a experimentar tratamentos monetários agressivos, que alguns até consideram perigosos, e exemplifica com uma comparação entre Portugal e a Argentina.

Em Portugal, como descreve Martin Taylor, depois de recentemente nos ter visitado, os "residentes estão sem dinheiro", as auto-estradas "construídas com fundos comunitários estão desertas", com o tráfego desviado para as velhas estradas, sem portagens. Um país onde os automobilistas preferem "estacionar os seus velhos carros em ruas estreitas para não pagarem um euro ou dois para estacionar num parque".
Como refere no artigo, "a recepcionista do hotel - vazio - chega depois de uma longa espera para servir uma bebida e, mais tarde, regressa como empregada no restaurante". E alerta: num país que "tem as boas maneiras europeias, os portugueses começaram a expressar a sua frustração no estilo franco e vivo do graffiti".
O triste ‘fado’ que veste a capa do regime de austeridade, a que os portugueses estão submetidos, é uma espécie de coma. "O Estado gasta o menos possível e procura extrair cada vez mais dos cidadãos. Estes parecem passar a maior parte do tempo a procurar formas de evitar esses pagamentos".
Os "rácios do endividamento permanecem teimosamente altos, mas os caríssimos ‘médicos’ estrangeiros acreditam que uma dose mais elevada deste tratamento acabará por demonstrar, no fim, que têm razão”.

Na Argentina, há muita moeda, em comparação com a falta de capital em circulação em Portugal, enquanto a inflação anda pelos 10/20%. As pessoas têm pressa em gastar, mas não têm acesso a divisas estrangeiras nem aos mercados de crédito. Não há capitais estrangeiros a entrar neste país e os bancos estão obrigados a dar uma parte significativa dos seus depósitos para investimento produtivo.
O ‘tango' recebe constantes estimulações e os ‘médicos’ dizem que está muito melhor desde que reestruturou a dívida, apesar de não poder sair do hospital. 

Nestes cenários, prescreve: "Os médicos são sobretudo intimados a não fazer mal". Martin Taylor.



E aqui chegamos a este mundo de loucos: ao esplendor da "social-democracia", a transbordar de direitos e garantias, de progresso e riqueza - indefesas criaturas subjugadas pelas arbitrariedades e pelos artifícios do Estado. Eis as últimas vítimas da ficção montada no abismo chamado "Europa".    
Os pontos essenciais do resgate ao Chipre.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Pré-lavagem do pós-graduado


Do manicómio onde se exibe muita desfaçatez e pouco bom senso
(as reacções continuam)


"Sócrates volta, e volta a convite da RTP, uma empresa pública onde o Sr. Relvas manda, para um programa semanal que se destina a reabilitar politicamente a sua pessoa e a fazer dele um candidato plausível à Presidência da República (...) Com tudo o que se passou desde que o dr. Cavaco o remeteu para mais verdes paragens, Sócrates não percebeu ainda que a generalidade dos portugueses não lhe concede o favor da mais leve desculpa e o considera responsável pelo sofrimento e as misérias da crise.
Mas o problema não se esgota aqui. No seu tempo, Sócrates foi o primeiro-ministro que mais se esforçou para administrar a informação e para controlar, às vezes com manobras sem nome, a televisão, a rádio e os jornais. Não foi por acaso que o país chegou à undécima hora sem a menor ideia do poço para que tinha sido conscientemente atirado. Por omissão e por comissão, Sócrates sempre se mostrou um homem muito flexível com a verdade. E pior: um homem que vivia bem no mundo imaginário que vendia, sem o menor escrúpulo, aos portugueses. E nem o desastre o regenerou, quando de Paris concluía que a dívida se administrava, não se pagava, enquanto Portugal inteiro se espremia para a pagar (...) 
Resta saber por que razão o sr. Relvas ofereceu ao sr. Sócrates um comício regular na RTP. Não compreendeu que atribuir um privilégio destes a um político desacreditado desacreditava a própria televisão pública, e, de caminho, ofendia o país? Ou a ressurreição do indivíduo não passa de uma simples peça de um negócio maior e mais complexo, que por enquanto o país desconhece? Existem naturalmente muitas hipóteses. Mas, qualquer que ela seja, é, com certeza, uma vergonha nacional." Vasco Pulido Valente - Público


“O regresso de José Sócrates prova que, como diz o povo, o criminoso volta sempre ao local do crime.” Paulo Pinto Mascarenhas.

"A volta de José Sócrates à vida política vai condicionar muito mais a liderança do PS do que o Governo." Paulo Baldaia.

"Quanto ao facto em si, ganha a RTP e perde muito mais o PS do que o Governo. Eis pois uma grande jogada, jornalística e política." Filomena Martins.

"O que Sócrates disser sobre o governo será irrelevante. É o PS e a guerra interna no PS, o verdadeiro assunto." Ana Sá Lopes.

"Sócrates no ecrã vai eclipsar os seus pares e garantir, sem grandes margens de erro, audiências à RTP." Alfredo Leite

“A contratação dum inimigo da liberdade de expressão e ex-ditador da RTP representa novo máximo na degradação moral da RTP.” Eduardo Cintra Torres.

"O público, que gosta de fingir estar contra a "partidocracia" na política, aceita sem objecções a "partidarite" na análise da política. excepto no caso de José Sócrates, que a RTP se lembrou de contratar para emitir palpites. É verdade que os palpites do homem ajudaram imenso à ruína do país. É verdade que ao contribuinte custará muito pagar um novo salário (em numerário ou em tempo de propaganda) a quem tanto contribuiu para a sua penúria. É verdade que dói ver facultar a liberdade de expressão a um seu incessante inimigo. É verdade, em suma, que o "serviço público" decidiu adicionar o insulto à injúria. Porém, julgo excessivo que a indignação das massas, traduzida numa série de petições inflamadas, recaia exclusivamente em cima do ex-primeiro-ministro, ex-estudante de Filosofia e actual vendedor de medicamentos na América Latina." Alberto Gonçalves.

domingo, 24 de março de 2013

Do que apetece




"A melhor coisa que se pode fazer a uma criança é falar sobre ela fingindo que não sabemos que ela está a ouvir." Inês Teotónio Pereira.


"Em Portugal, o hábito não é, infelizmente, o de ser breve nas intervenções parlamentares, nas reuniões nas empresas, nas conversas com estranhos." Carla Hilário Quevedo.



sábado, 23 de março de 2013

Francisco não deixa de nos interpelar


 GRAÇA  FRANCO

"Não tenhais medo... da bondade e da ternura"
Pressenti que o desafio não passaria despercebido. Aqui está.


Lá fora a chuva cai


sexta-feira, 22 de março de 2013

Bonito serviço público


José Sócrates, ex-primeiro-ministro português, numa foto de arquivo nos estúdios da RTP

Sócrates está de volta, para ver se continua a ficar bem, frente às câmaras de televisão. Em cada português teremos um Luís-perito da comunicação, para ajuizar se continua igual a si-próprio nas prestações mediáticas. Não me parece má ideia. Além do mais, o Papa também é outro.
No seu regresso à Pátria das aventuras, conta com algumas vantagens. Em primeiro lugar, "a sua cara não é estranha", para qualquer indígena. Depois, a casa, foi e será, dos maiores deste País. E como finalmente, Relvas pensa deixar o governo e ficar na RTP, precisa de parceiro do seu tipo para as prédicas semanais. 
Sócrates vem de Paris, Relvas deixa o Governo, encontro marcado para as celebrações na "querida televisão". E nada de escândalos.         


quinta-feira, 21 de março de 2013

Os desabafos na rua




Sobre as últimas grandes manifestações contra as políticas daqueles que governam os portugueses. 

José Manuel Fernandes - Público

"Tal como paira sobre o país, pairou sobre as últimas manifestações uma sensação de fatalidade. Houve manifestantes que ingenuamente o confessaram, quando disseram aos repórteres que provavelmente nada mudaria no dia seguinte aos desfiles, mas houve sobretudo a enorme omissão sobre como fazer diferente. A própria convocatória criou o paradoxo: devia-se estar ali para dizer "que se lixe a troika", mas esteve-se ali sobretudo para desabafar contra os poderes públicos. Muitos, talvez a maioria, dos que desfilaram nem sequer querem que a troika se vá já embora - sabem que tudo ficaria pior se isso acontecesse. Mas a quase totalidade está zangada com o que nos está a acontecer e precisava de o dizer alto. Sobretudo os idosos da classe média, os que nos últimos dias de Fevereiro ficaram a conhecer os cortes nas suas pensões. Mas a sensação de fatalidade tem raízes mais fundas, não deriva apenas das emoções contraditórias de um dia de manifestações. Ela radica na falta de esperança e num sentimento difuso de desorientação. Falta de esperança não por causa do discurso canhestro do Governo, como gostam de explicar alguns comentadores e candidatos a conselheiros do príncipe, mas por se olhar para o país, para a Europa e para o mundo e não se perceber como é que as coisas vão poder melhorar. A revolta contra tudo o que é político, naturalmente com mais virulência contra tudo o que é ministro, mas também contra tudo o que é banqueiro, ou gestor, ou reformado rico, não corresponde à reemergência do velho mal nacional da inveja, antes deriva da percepção de que os futuros estão fechados, de que os elevadores sociais desapareceram, de que deixou de se saber o que fazer para melhorar a vida (...) Olha-se para isto tudo, olha-se também para o espectáculo dado nos últimos meses pelas nossas elites, presas como nunca aos seus preconceitos, às suas vaidades e aos seus privilégios relativos, e facilmente se entende a sombra que pareceu pairar sobre os manifestantes. É para as razões dessa sombra, para os porquês do sentimento de fatalidade que desceu as avenidas de braço dado com uma longa lista de indignações e queixas, que os responsáveis políticos deviam olhar." Ler mais.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Populismo de jaqueta




A significativa imagem que ficou do longo e agitado cerimonial fúnebre em memória de Hugo Chávez, representou o arranque da nova fase do chavismo. O vice-presidente Nicolás Maduro, vestido com a jaqueta nacionalista, mais o presidente da assembleia nacional Diosdado Cabello, vestido com traje militar. Maduro não tardou a ser confirmado presidente e assim tomou forma mais um atropelo à Constituição do país. Cabello aceitava permanecer com o comando das forças armadas que já lhe pertencia, enquanto abdicava da chefia do Estado a favor do novo homem-forte  que se autoproclamava presidente. Mais uma inconstitucional vontade, expressa pelo defunto presidente. Desta vez, com o testamento político a ser entregue em mão e em vida a uma especial mensageira, a presidente argentina Cristina Kirchner (e quem mais insuspeito podia ser). Sem perda de tempo e terminadas as exéquias, para aproveitar o testemunho de tantos estadistas, ditadores, terroristas, da vizinhança cubana a Ahmadinejad do Irão, jurou o novo presidente, pela revolução bolivariana,  prometendo “pulso forte”. Promete do melhor para segurar o poder. De seguida, novas  eleições com candidato do chavismo já presidente, enquanto há pranto e lamúria a embalar os votos. Dificilmente Henrique Capriles da oposição à direita terá condições para disputar a presidência. Enquanto isso, o próprio Maduro já alertou que lhe pode acontecer o mesmo que a Chávez e ser morto pelos habituais inimigos da revolução enviados pela CIA. Sem dúvida uma herança de regime capaz de tudo fazer ou manipular  com o fim último da manutenção do poder. 

Para os seguidores do chavismo, o comandante era o filho dilecto de Fidel Castro e a reincarnação de Simón Bolívar, como passou a ser referido pelo sucessor Maduro. Sendo ou não verdadeiro que percorreram as ruas de Caracas com os restos mortais do líder, que o mantiveram exposto uma semana antes de ser embalsamado como anunciaram, que voltaram a percorrer a capital em cortejo fúnebre depois de desistirem da mumificação, o que queriam os servidores do caudilho venezuelano era que continuasse falsamente vivo. Ao embalsamá-lo à moda de Lenine, Mao e outros chefes comunistas, queriam perpetuar  o poder político através de um morto, com a mesma irracionalidade com que se agarram à vida. 

Hugo Chávez era um demagogo com uma insaciável sede de poder. Um líder populista com aversão a partidos e hierarquias que tudo submetia às suas arbitrariedades. Começou por ser um militar que se deu a conhecer ao mundo como oficial golpista depois de várias conspirações, vindo mais tarde a candidatar-se a umas presidenciais que venceu, para depois alterar a Constituição de modo a fazer-se eleger sem limite de mandatos. Ocupou o Palácio presidencial desde 1999 e ocupou quase todo o palco mediático do país, com as suas intermináveis arengas aos venezuelanos, várias das quais transmitidas em todos os canais televisivos e radiofónicos por imposição legal. Nas presidenciais do ano passado, com a sua entourage obcecada em esconder dos eleitores o verdadeiro estado clínico do recandidato, recusou qualquer debate com o opositor Capriles, trocando o argumento civilizado pelo insulto. Foi uma campanha inútil para uma eleição igualmente inútil. Uma desesperada jogada do chavismo para perpetuar uma liderança que prometia estender-se por mais 18 anos. Não chegou sequer a cumprir o acto de posse, primeira formalidade indispensável para exercer o cargo. E assim terminou o trajecto de um semideus idolatrado pelas massas, odiado visceralmente por numerosos inimigos políticos e tendo ao seu dispor um impressionante aparelho de propaganda, bem remunerado com as receitas do petróleo. 

Entre os países sul-americanos, “o Pais da revolução bolivariano” como Chávez sempre nomeou, conta com diversos países aliados. Para além de membro do “Mercosur”, era com a exploração do petróleo que ia sustentando as relações económicas. Antes de qualquer outro Estado, Cuba era e é um caso especial. O regime cubano recebe de Caracas perto de 100 mil barris de petróleo a cada dia, pagos por Havana a preços consideravelmente abaixo do praticado no mercado internacional. Foi com esta ajuda que Cuba conseguiu compensar a quebra das remessas que recebia até ao colapso da União Soviética. Um diferencial acumulado em jeito de dívida que transforma a petrolífera estatal venezuelana numa colossal credora dos cubanos. Depois as vendas de petróleo aos EUA, as trocas de favores com os países mais fortes, como o Brasil e a Argentina, as ajudas declaradas às depauperadas repúblicas vizinhas que mais se identificam com o ideário revolucionário, como a Bolívia, o Equador e a Nicarágua. Através destas trocas comerciais com o exterior, mais a manutenção duma gigantesca clientela do regime, mais o sustento duma sociedade de miséria que vive de subsídios, a Venezuela vai sobrevivendo, à custa duma excepcional extracção petrolífera de que nem sequer fazem refinação, sem qualquer produção agrícola ou industrial, consumindo avidamente os recursos do País.  

Os protagonistas políticos que precederam Chávez deixaram o país mergulhado na corrupção, a braços com uma profunda crise  económica e social, imerso em níveis de desigualdade absolutamente escandalosos. Por isso, o sucesso da proposta chavista deve-se, para além das óbvias manobras e golpes de manipulação das regras democráticas, ao falhanço estrepitoso das forças políticas mais conservadoras. Economicamente, e depois das experiências colectivistas da sua ‘revolução bolivariana’, a Venezuela é um caso perdido. E, mesmo que não fosse, bastaria acompanhar o autoritarismo do homem em 15 anos de liderança para o desqualificar. De que vale ganhar nas urnas quando se controla a comissão eleitoral do país e se submetem todos os outros poderes – o parlamento, a justiça, a comunicação social, as forças armadas – aos caprichos de um único homem? Chávez é o típico exemplo de alguém que usou a democracia para subverter a democracia.  Com a bandeira do ‘Socialismo do séc. XXI’ foi apenas um "ilusionista", como lhe chamou Gabriel García Márquez.

hugo chavez



terça-feira, 19 de março de 2013

Manicómios sobrelotados



BRINCADEIRAS  DA RAPAZIADA  Alberto Gonçalves

Ao mesmo tempo que em Portugal se questionava, mais uma vez, o que tem levado o Governo ou o ministro das Finanças a falhar todas as previsões antecipadas sobre resultados e sobre os objectivos da governação, surge agora a necessidade urgente de avançar com mais um resgate para outro aflito da União Europeia. Se em Portugal deixou de haver quem acredite na competência dos principais membros do governo e na escolha das estratégias políticas adequadas para ultrapassar a crise, chegou a hora de também ser posta em causa a solução encontrada para resgatar o sistema financeiro de Chipre. O que agora se discute, para lá de cada Estado e olhando para a Europa comunitária, é a preparação política de todas estas criaturas apelidadas de tecnocratas, que se dedicam a conduzir os destinos dos países da União desprezando a perspectiva política, isto é, a congeminar desastrosas soluções centradas na austeridade e na asfixia monetária, para que cada membro moribundo não contribua  para fazer ruir a União. 

O que o Eurogrupo quer impor a Chipre e que o seu Parlamento já recusou, demonstra que os líderes europeus estão à beira da loucura ou do suicídio colectivo. Com medidas como o confiscar de depósitos, a Europa não salva o Chipre. Pelo contrário, coloca o futuro do Euro em causa. Mais uma vez, o cansaço de suportar a debilidade dos países periféricos está conduzir a uma maior intransigência financeira da Alemanha e das economias do norte. O que pode deitar tudo a perder.  A Alemanha - a seis meses de eleições - mostra assim que não está disposta a facilitar a vida aos que prevaricaram. E desta vez Merkel tem o apoio da maioria dos partidos opositores, para uma punição a Chipre e para obrigar a corrigir a sua descontrolada política financeira. É isto que deve preocupar os resgatados portugueses. Não são os nossos depósitos que estão em causa. São as ideias de que vamos ter um caminho mais fácil para o ajustamento. Pura ilusão. Até às eleições alemãs não haverá sinais disso, como a sétima avaliação da troika mostrou. Depois logo se vê. A hora é ainda de punição. Não vale a pena ir a correr ao banco. Mas vale a pena perceber que quem tomou a decisão sobre Chipre são os mesmos que avaliam o nosso desempenho. 

Ontem um blog do Financial Times contava a seguinte anedota que ajuda a explicar o esquema do ‘bailout' ao Chipre: um abastado e afidalgado turista alemão chega a um hotel numa pequena aldeia cipriota. Quando chega à recepção pede para inspeccionar os quartos para ver se são bons. O dono do hotel dá-lhe as chaves e o turista alemão, antes de subir as escadas para ir ver os quatros, deixa-lhe em cima do balcão uma nota de 100 euros. Enquanto espera, o dono do hotel agarra nos 100 euros e vai ao talho pagar a sua dívida. O dono do talho agarra nos 100 euros e vai a correr para o senhor que cria porcos para lhe pagar o que lhe devia. Este pega nos 100 euros e vai à bomba de gasolina saldar as suas dívidas. O senhor da bomba vai à tasca pagar os copos que ontem bebeu e não pagou. O dono da tasca agarra nos 100 euros e entrega a uma prostituta que ontem lhe tinha "oferecido" os seus serviços a crédito. A prostituta pega no dinheiro e vai ao hotel para dar ao dono os 100 euros pelo quarto que ela usou no dia anterior e não pagou. E entretanto, o turista alemão desce as escadas e encontra a sua mesma nota de 100 euros no balcão da recepção. Diz que não gostou dos quartos e agarra na sua nota de 100 euros, mete-a no bolso, e vai-se embora. Enquanto isso, toda a aldeia ficou feliz já que todos ficaram livres das suas dívidas. 

O resgate ao Chipre não é um resgate. É uma operação de cosmética. Os credores dão com uma mão e tiram com a outra. E os depositantes são os únicos que têm alguma coisa a perder. Os eurocratas que tiveram esta ideia para salvar o Chipre acharam que uma contabilidade criativa era capaz de substituir um resgate tradicional e a solidariedade que deveria existir entre os países europeus. A felicidade era tanta que os cipriotas não se contiveram e até fizeram fila nas caixas multibanco e à frente das sedes dos principais bancos. Se é injusto pôr os contribuintes a pagar o ‘bailout' dos bancos, através de medidas de austeridade, ainda mais injusto é obrigar os depositantes a dar parte do seu dinheiro à banca. Os impostos e a austeridade são injustos, mas ainda assim têm alguma moralidade implícita. Obrigar as pessoas a ficar sem parte do dinheiro é um assalto imoral. E abre um precedente na Europa. Até aqui os depósitos tinham um único risco: a de falência do banco. Agora têm mais um: a incompetência e a loucura dos políticos que governam esta Europa.

Como a coisa não está para brincadeiras, "Ay/ abrázame esta noche/ aunque no tengas ganas/ prefiero que me mientas". Helena Matos.


segunda-feira, 18 de março de 2013

A crise com mais um dia em alta


O IMPACTO DO RESGATE AO CHIPRE 
Nervosismo e receio por toda a Europa. Em Portugal, mais preocupação, mais medo, menos exaltação, menos aventura. Cresce a pobreza e a resignação.


"Por mal que isto ande, haveria forma de ficar pior, muito pior. Os portugueses suspeitam disso. Por isso lamentam os apertos em curso sem exigir a desgraça eterna. Quantos mais sejam os que se empenharem na desgraça mais crescerá a quantidade de resignados à penúria presente, talvez futura e certamente preferível ao caos. " Alberto Gonçalves.

domingo, 17 de março de 2013

Papa ainda é assunto



O papável que teria sido a minha escolha, o cardeal de Viena, Christoph Schönborn, num ensaio recente alude ao "paradoxo" de um cristianismo que se tornou "estranho" na Europa onde nasceu. "A situação do cristianismo na Europa é estimulante e plena de oportunidades. É, em certa medida, um corpo estranho mas evoca um sentimento familiar." A cultura europeia só terá algo a oferecer e a propor à sociedade globalizada a partir do legado dos valores cristãos, sempre presente - a dignidade da pessoa, a unicidade da Humanidade, a visão da liberdade do cidadão perante o Estado. Por razões destas é que ao Papa importa e fascina uma Europa que se crê "descristianizada".
Terminado o Conclave, o mesmo cardeal austríaco afirmou que Bergoglio sempre foi favorito e que rapidamente emergiu como um candidato forte, ganhando o título de papa após cinco votações. Desde então, o Papa Francisco passou a ser definido como um "Papa de gestos", gestos simples que anunciam "mudanças revolucionárias". 
E não se cansa de repetir que "quer uma Igreja pobre para os pobres", se há austeridade "dispensa ornamentos dourados e sapatos vermelhos", como os que não confiam nos serviçais "vai pagar as contas domésticas pessoalmente", por achar que lhe fica bem "insiste em viajar de autocarro", não prepara discursos com a formalidade da praxe porque "gosta de falar de improviso com piadolas"... para depois rematar com o "buona sera" à Chico. 


Com tanto entusiasmo e tanta expectativa, envolvendo uma figura já considerada "o grande gerador de esperança destes tempos" não há muito mais acrescentar. Resta dizer viva o Papa Francisco. Adeus "pompa e circunstância" e "estética pontifícia". Resistirá a Capela Sistina?... Difícil estar preparado para um Papa assim. Quem sabe o que vai pela cabeça do Chico?



sábado, 16 de março de 2013

Atrás da culpa



Por que falham as previsões de Gaspar e do Governo?
(Henrique Monteiro - Expresso)

"As pessoas revoltam-se com razão. Não foi isto o que lhes prometeram. Pelos mapas de previsão e pelas folhas de excel feitas no programa da troika, por esta hora já estávamos a crescer e a olhar para a crise por cima das costas." Ler mais.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Confundir desejos com realidade



"Afinal parece que estamos todos de acordo. Com crescimento económico resolvem-se os nossos problemas. Diminui o desemprego, diminui o défice e paga-se a dívida. Perfeito. Só é estranho porque não se lembraram disso mais cedo. Ou talvez não. Há no debate público em Portugal uma tendência para o pensamento mágico: diz-se o que era bom que acontecesse e espera-se que aconteça mesmo. Mesmo que se faça exactamente o oposto do necessário. A redescoberta do crescimento como mezinha para todos os males é apenas a mais recente manifestação desta doença cognitiva que confunde desejos com realidade. Ora a realidade é muito mais dura e intratável do que os desejos. Até porque o crescimento não é apenas uma quimera portuguesa, está a tornar-se num problema em todo o mundo desenvolvido". Ler mais. José Manuel Fernandes - Público 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Papa Francisco



HABEMUS  PAPAM  FRANCISCUM

Nunca tanto se especulou, como desta vez, na escolha de um novo Papa. E como muitas outras vezes, também agora o "fumo branco" surgiu acompanhado da surpresa com o Cardeal escolhido. Um argentino, Arcebispo de Buenos Aires, foi elegido Papa e adoptou o nome de Francisco para o 266º Sumo Pontífice. 
Homem simples de perfil e trajecto pouco habituais nos responsáveis da Igreja, este engenheiro de formação académica, personifica aquilo que permite considerá-lo um Papa diferente. Com vocação tardia, chega a sacerdote depois dos trinta anos e como padre jesuíta exerce em paróquias pobres da Argentina. Quando se tornou Bispo de Buenos Aires também passou a exercer funções na Cúria Romana. Sem ter a fortaleza carismática e a robustez intelectual dos seus predecessores, cultiva um estilo de vida austera e despojada de tudo o que sejam extravagâncias. O que bastou para reavivar algumas perplexidades acerca de qual o melhor perfil de um Papa, para essa enorme tarefa de reformar a Igreja dos nossos dias.    
O sulamericano Cardeal Bergoglio, agora Papa Francisco, o primeiro não europeu da era moderna a chegar ao papado, certamente um jesuíta bem apetrechado da espiritualidade missionária com que se desenvolveu e evangelizou como padre, aparece como um experiente líder para os católicos do mundo, com qualidades pouco comuns e com possibilidades de transformar, desde que sejam criadas condições para solucionar problemas já identificados. Mesmo sendo uma figura que se enquadre numa orientação tão ortodoxa como a dos últimos papas, o clérigo argentino possui atributos que poderão fazer deste homem com origem na Igreja dos pobres, um autêntico renovador daquilo que mais necessite ser reformado na Igreja Católica. Se do Conclave acabam de nos surpreender elegendo para Papa este inesperado nome, que a escolha reflicta a opção por quem possa ter as melhores condições para enfrentar os principais obstáculos que levaram o Papa Emérito a renunciar.      
A vida simples e humilde deste idoso Pastor da Igreja (76 anos) sempre se caracterizou pelo acompanhamento dos problemas dos carenciados e pela exemplar vida austera de que se fazia o seu quotidiano. Residia e cozinhava numa modesta habitação, viajava nos transportes públicos de qualquer cidade, passeava e interpelava com simpatia e afecto aqueles com quem se encontrasse pelas ruas. Era esta a sua vida na sua diocese argentina, tal como acontecia quando se deslocava para Roma. Foi com  esta naturalidade e empatia que se apresentou como novo Papa-Bispo, primeiro rezando pelo sua Igreja e depois pedindo que rezassem pela sua missão. E no primeiro dia como Sumo Pontífice, dispensou a limusine papal e viajou numa viatura comum do Vaticano. Também passou pela pensão onde esteve instalado até ao início do Conclave, para recolher as suas coisas e pagar a conta da sua estadia. Gestos que podem ser indícios de "uma progressiva revolução na Igreja". Ou não.


quarta-feira, 13 de março de 2013

Compassos de espera


O fumo negro após as votações da manhã
Los diez principales papables
Marc Ouellet (Canadá)

Conclave mais um dia para escolher novo Papa. O principal favorito, o italiano Scola, já não contará? Ainda haverá outro(s) europeu(s) bem colocado(s)? Ou a surpresa virá de Nova Iorque ou de São Paulo? De fora da Europa é melhor que venha do Canadá... Como do Vaticano apenas sai fumo negro e ainda não "habemus Papam" por cá "habemus troika"




Tarde demais para alguns, sempre a tempo para tantos. Então o objectivo é democratizar? Com quem e por onde? Ou apenas se trata de mais uma via para conduzir disponíveis ao sítio do costume? Não faltam duvidosas intenções e criaturas ansiosas por "corporizar a coisa" ou "dar o corpo ao manifesto".    

terça-feira, 12 de março de 2013

O peso do fardo





A consciência do contribuinte, no País das nulidades e das práticas inúteis. Falta o dinheiro, falta o vigor, todos aos papéis





MUITA CARGA

Dom Juan Carlos, rei de Espanha, esteve "com mais de 1500 mulheres", garante Andrew Morton no livro que escreveu, ‘Ladies of Spain’. O autor de biografias polémicas vai lançar um livro sobre a família real espanhola. Um rei derreado. 




MUITO TRABALHO

Acaba de começar o Conclave e há já quem esteja exausto só dos preparativos. Quanto ao nome de José, apesar de nunca ter sido assumido por um Papa, é o que reúne mais consenso entre os especialistas. O nosso Policarpo, não está para maçadas, mas pode sair Zézinho. 



segunda-feira, 11 de março de 2013

"Cada dia os seus trabalhos"



O TEMPO PERDIDO

"A tristeza do que pode acontecer torna-se não só parte da nossa vida como indissociável da vida, fazendo companhia à felicidade e ao medo de saber o que poderia ter acontecido. Não é preciso conhecer muitas culturas diferentes da nossa para perceber que a nossa perde tempo - não apenas tempo de mais, como tempo em si e ser como tal, à maneira das ruidosas e persuasivas sugestões de Heidegger - a pensar mais nas possibilidades do que na sorte da actual presença. Somos enfraquecidos por medos que não nos aconteceram e que nunca nos acontecerão - mas imaginamos e tememos.
Sempre me chocou a diferença entre o worry inglês e o preocupar português. A preocupação é uma ocupação anterior; prévia. Dá a ideia de um destino. O worry pode aplicar-se apenas às (outras) ovelhas.
O medo e o amor estão para sempre, inevitavelmente, ligados. A morte de quem se ama - ou de quem ama quem se ama - é inteligente e emocionalmente vista como uma morte do amor em si.
O amor nunca morre: só pode nascer. Existe para além das vidas de quem ama, como a humanidade. Amar é a certeza que nem todas as possibilidades, por muito más que sejam, derrota.
Existe um momento, diante da pessoa amada, em que se percebe que a sorte, de pouca dura, é tê-la encontrado e estar ao pé dela. E, no mais loucamente afortunado dos sonhos, ser aceite, apaixonado, por ela.
A alegria do amor está no que já aconteceu e continua a acontecer: o futuro é como a morte. Resta a nossa vida."

Miguel Esteves Cardoso - PÚBLICO

domingo, 10 de março de 2013

Ainda sobre o Papa



ENQUANTO O NOVO PAPA NÃO CHEGA

"Quando fui surpreendido pelo gesto que fará de Bento XVI outra vez Joseph Ratzinger, a minha primeira reacção foi a de que era um gesto profundamente moderno. Mais: que a decisão do Papa era coerente com um pontificado que, se lhe quisermos encontrar uma lógica profunda, fica marcado pela luta pela modernidade - e contra essa sua inimiga que é a pós-modernidade. 
Fazia todo o sentido para um João Paulo II, um Papa místico e que se salvara miraculosamente de um atentado, manter-se no seu lugar mesmo em grande sofrimento, mesmo cumprindo penosamente os seus deveres, dando com isso mais uma prova de coragem física mesmo na velhice. Da mesma forma faz todo o sentido que Bento XVI, um Papa que fez do casamento entre a Fé e a Razão a motivação do seu mandato, renuncie ao perceber, racionalmente, que daqui por diante a Medicina lhe iria prolongar a vida sem lhe devolver a energia que sentia necessária à missão. Teve por isso a coragem moral de renunciar.
Está a fazê-lo reafirmando, nas suas últimas homílias e orações, algumas das linhas de força do seu papado - nomeadamente ao denunciar, na última oração do Angelus, as tentações que atraem o homem para a ilusão de um falso bem -, mas fê-lo sobretudo ao ter fincado bem as raízes da Igreja na sua Doutrina, e esta na mensagem e no exemplo de um homem, Jesus Cristo. Ele reforçou um discurso da Igreja que, como notava D. Manuel Clemente, bispo do Porto, numa entrevista a propósito da sua eleição, tinha vindo a evoluir para se tornar mais "cristocêntrico", ou seja, um discurso que "aquilo que propõe não provém de uma ideologia abstracta, mas do exemplo de um homem".
João Paulo II, com a encíclica Veritatis Splendor, já apelara à racionalidade como elemento indispensável da Fé, mas Bento XVI incorporou essa racionalidade de forma plena, fazendo do diálogo entre Fé e Razão uma questão central da sua mensagem - tão ou mais central quanto o Papa sente que a batalha mais importante da Igreja se trava numa Europa descristianizada. Fez da racionalidade o terreno comum onde podia dialogar com os não crentes - fizera-o em polémicas com Habemas e Flores d"Arcais ainda bispo, fê-lo como Papa em intervenções tão importantes como a que preparou para ser lida na Universidade La Sapienza - e, também, onde podia conversar com os crentes de outras religiões - como no famoso discurso em Ratisbona. A racionalidade foi também o seu ponto de partida contra o relativismo: "O relativo não é moderno, é pós-moderno, é a factura que se está a pagar às grandes desilusões do século XX", como antecipou D. Manuel Clemente. Aos cardeais, antes da eleição, o ainda Joseph Ratzinger tinha notado que "o relativismo, isto é, o deixar-se levar "para aqui ou para ali por qualquer vento ou doutrina" parece a única atitude aceitável nos tempos que correm", pelo que "toma corpo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que deixa tudo ao critério do próprio ego e dos seus desejos".
Com Bento XVI a Igreja mostrou que se pode ser moderna sem ir atrás do que apresenta como moderno mas, muitas vezes, não passa de uma moda. A sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, é nesse domínio um documento notável quer ao abordar a plenitude do amor erótico, afirmando que "se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade", quer ao defender a ideia da caridade cristã sem renegar o papel social dos Estados modernos.
O Papa prosseguiu sempre este caminho com a determinação de "não se vergar perante a ditadura das opiniões, mas antes agir a partir do conhecimento interior, ainda que isso traga aborrecimentos", como ele próprio disse. Mas como homem da Doutrina, que também era, provavelmente o melhor e o mais culto de todos, Bento XVI era capaz de distinguir o essencial do acessório e, por isso, deu alguns passos seguros. A sua resignação, que é também uma demonstração de humildade e uma chamada de atenção para a condição humana de um Papa - e para a "condição humana" da Igreja -, tem mesmo força suficiente para um dia nos fazer recordar o velho teólogo a quem todos prognosticaram um papado que não ficaria na História.
Não sendo crente, aquilo que me interessa e me interpela em Bento XVI é precisamente a sua capacidade de olhar para a sociedade contemporânea de uma forma que é moderna sem ter perdido as referências da tradição e os ensinamentos da experiência.
Em contrapartida não me interessaria, e estou certo que não interessaria aos crentes, uma Igreja mimética e submetida às novas regras das opiniões dominantes nos espaços públicos. Aprecio critérios diferentes, não estou disponível para aceitar a ideia de que os únicos critérios válidos são os definidos pelas maiorias, uma ideia que Bento XVI também combateu com energia. Não me interessam as verdades únicas, mas interessa-me a ideia de que "o homem tem de procurar a verdade", pois "ele é capaz da verdade". Tal como me interessa a ideia de que praticar a tolerância não é contraditório com promover "valores constantes que fizeram grande a humanidade".
Num terreno mais concreto, mais próximo da nossa realidade, interessam-me as reflexões de Bento XVI sobre os limites do progresso e a ideia de que, para conseguirmos ter um planeta sustentável, devemos estar preparados para a renúncia a alguns bens materiais, o mesmo é dizer bens de consumo. Ou ainda a sua preocupação, ambiental e económica, mas fundada em motivações éticas, com este nosso "viver à custa das gerações vindouras", algo que é tanto verdade para o esgotamento de recursos naturais como para a acumulação de dívidas pelos Estados. 
Não espero da Igreja, deste Papa ou do próximo, soluções concretas para os nossos problemas concretos, não espero que façam coro com os nossos credores ou com as nossas dores, mas espero muito daquilo que encontrei sempre que li Bento XVI: um olhar moderno ancorado numa Tradição e numa Doutrina, um olhar corajosamente avesso à facilidade e à tentação da popularidade."

José Manuel Fernandes - PÚBLICO



MAIS SOBRE CARDEAIS-PAPAS

Adoptar um Cardeal para ser atribuído com escolha aleatória?
Assim e com o pré-requisito de rezar antecipadamente?