quarta-feira, 20 de março de 2013

Populismo de jaqueta




A significativa imagem que ficou do longo e agitado cerimonial fúnebre em memória de Hugo Chávez, representou o arranque da nova fase do chavismo. O vice-presidente Nicolás Maduro, vestido com a jaqueta nacionalista, mais o presidente da assembleia nacional Diosdado Cabello, vestido com traje militar. Maduro não tardou a ser confirmado presidente e assim tomou forma mais um atropelo à Constituição do país. Cabello aceitava permanecer com o comando das forças armadas que já lhe pertencia, enquanto abdicava da chefia do Estado a favor do novo homem-forte  que se autoproclamava presidente. Mais uma inconstitucional vontade, expressa pelo defunto presidente. Desta vez, com o testamento político a ser entregue em mão e em vida a uma especial mensageira, a presidente argentina Cristina Kirchner (e quem mais insuspeito podia ser). Sem perda de tempo e terminadas as exéquias, para aproveitar o testemunho de tantos estadistas, ditadores, terroristas, da vizinhança cubana a Ahmadinejad do Irão, jurou o novo presidente, pela revolução bolivariana,  prometendo “pulso forte”. Promete do melhor para segurar o poder. De seguida, novas  eleições com candidato do chavismo já presidente, enquanto há pranto e lamúria a embalar os votos. Dificilmente Henrique Capriles da oposição à direita terá condições para disputar a presidência. Enquanto isso, o próprio Maduro já alertou que lhe pode acontecer o mesmo que a Chávez e ser morto pelos habituais inimigos da revolução enviados pela CIA. Sem dúvida uma herança de regime capaz de tudo fazer ou manipular  com o fim último da manutenção do poder. 

Para os seguidores do chavismo, o comandante era o filho dilecto de Fidel Castro e a reincarnação de Simón Bolívar, como passou a ser referido pelo sucessor Maduro. Sendo ou não verdadeiro que percorreram as ruas de Caracas com os restos mortais do líder, que o mantiveram exposto uma semana antes de ser embalsamado como anunciaram, que voltaram a percorrer a capital em cortejo fúnebre depois de desistirem da mumificação, o que queriam os servidores do caudilho venezuelano era que continuasse falsamente vivo. Ao embalsamá-lo à moda de Lenine, Mao e outros chefes comunistas, queriam perpetuar  o poder político através de um morto, com a mesma irracionalidade com que se agarram à vida. 

Hugo Chávez era um demagogo com uma insaciável sede de poder. Um líder populista com aversão a partidos e hierarquias que tudo submetia às suas arbitrariedades. Começou por ser um militar que se deu a conhecer ao mundo como oficial golpista depois de várias conspirações, vindo mais tarde a candidatar-se a umas presidenciais que venceu, para depois alterar a Constituição de modo a fazer-se eleger sem limite de mandatos. Ocupou o Palácio presidencial desde 1999 e ocupou quase todo o palco mediático do país, com as suas intermináveis arengas aos venezuelanos, várias das quais transmitidas em todos os canais televisivos e radiofónicos por imposição legal. Nas presidenciais do ano passado, com a sua entourage obcecada em esconder dos eleitores o verdadeiro estado clínico do recandidato, recusou qualquer debate com o opositor Capriles, trocando o argumento civilizado pelo insulto. Foi uma campanha inútil para uma eleição igualmente inútil. Uma desesperada jogada do chavismo para perpetuar uma liderança que prometia estender-se por mais 18 anos. Não chegou sequer a cumprir o acto de posse, primeira formalidade indispensável para exercer o cargo. E assim terminou o trajecto de um semideus idolatrado pelas massas, odiado visceralmente por numerosos inimigos políticos e tendo ao seu dispor um impressionante aparelho de propaganda, bem remunerado com as receitas do petróleo. 

Entre os países sul-americanos, “o Pais da revolução bolivariano” como Chávez sempre nomeou, conta com diversos países aliados. Para além de membro do “Mercosur”, era com a exploração do petróleo que ia sustentando as relações económicas. Antes de qualquer outro Estado, Cuba era e é um caso especial. O regime cubano recebe de Caracas perto de 100 mil barris de petróleo a cada dia, pagos por Havana a preços consideravelmente abaixo do praticado no mercado internacional. Foi com esta ajuda que Cuba conseguiu compensar a quebra das remessas que recebia até ao colapso da União Soviética. Um diferencial acumulado em jeito de dívida que transforma a petrolífera estatal venezuelana numa colossal credora dos cubanos. Depois as vendas de petróleo aos EUA, as trocas de favores com os países mais fortes, como o Brasil e a Argentina, as ajudas declaradas às depauperadas repúblicas vizinhas que mais se identificam com o ideário revolucionário, como a Bolívia, o Equador e a Nicarágua. Através destas trocas comerciais com o exterior, mais a manutenção duma gigantesca clientela do regime, mais o sustento duma sociedade de miséria que vive de subsídios, a Venezuela vai sobrevivendo, à custa duma excepcional extracção petrolífera de que nem sequer fazem refinação, sem qualquer produção agrícola ou industrial, consumindo avidamente os recursos do País.  

Os protagonistas políticos que precederam Chávez deixaram o país mergulhado na corrupção, a braços com uma profunda crise  económica e social, imerso em níveis de desigualdade absolutamente escandalosos. Por isso, o sucesso da proposta chavista deve-se, para além das óbvias manobras e golpes de manipulação das regras democráticas, ao falhanço estrepitoso das forças políticas mais conservadoras. Economicamente, e depois das experiências colectivistas da sua ‘revolução bolivariana’, a Venezuela é um caso perdido. E, mesmo que não fosse, bastaria acompanhar o autoritarismo do homem em 15 anos de liderança para o desqualificar. De que vale ganhar nas urnas quando se controla a comissão eleitoral do país e se submetem todos os outros poderes – o parlamento, a justiça, a comunicação social, as forças armadas – aos caprichos de um único homem? Chávez é o típico exemplo de alguém que usou a democracia para subverter a democracia.  Com a bandeira do ‘Socialismo do séc. XXI’ foi apenas um "ilusionista", como lhe chamou Gabriel García Márquez.

hugo chavez



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