«Nos seus últimos dias de Papa, Bento XVI apresentou-se
diante de audiências globais como algo de muito diferente do comum, como uma
"estranheza", ou um "mistério" que nos interpela. Desse
ponto de vista, foi um sucesso "mediático".
O "espectáculo" papal dos dias de hoje não
converte os incréus, porque a sua incredulidade é mais forte e mais funda, por
boas e más razões, mas abre-os a uma certa perplexidade, nalguns casos mesmo
sedução, da e pela fé. Ver alguém que acredita, como o Papa Bento XVI, agora
Papa Emérito, de uma forma tão gentil, sem aí ser frágil e "sem
forças", faz muito para restaurar um respeito pela espiritualidade, uma
atenção ao "mistério" ao sentimento do outro, mesmo que não restaure
a fé, que é um "dom" e não depende dele.
É por isso que este Papa fez muito mais pela Igreja do que
muitos cristãos pensam que fez, resultado de terem ficado órfãos em Bento XVI
da religiosidade afectiva de João Paulo II, daquela bondade de pater que
beijava a terra e peregrinava pelo mundo todo. Bento XVI é uma outra espécie
diferente de "peregrino", autoclassificação que deu a si próprio na
sua última declaração ainda Papa no seu belo italiano de adopção: "Voi
sapete che io non sono più Pontefice, sono semplicemente un pellegrino che
inizia l"ultima tappa del suo pellegrinaggio in questa terra."
Usou o "espectáculo" para sair dele para uma
dimensão muito alheia ao nosso quotidiano vulgar, retomando o sentido do seu
nome de Papa, como o disse na sua última audiência do dia 27 de Fevereiro:
"O "sempre" é também um "para sempre": não haverá mais
um regresso à vida privada. E a minha decisão de renunciar ao exercício activo
do ministério não revoga isto; não volto à vida privada, a uma vida de viagens,
encontros, recepções, conferências, etc. Não abandono a cruz, mas permaneço de
forma nova junto do Senhor Crucificado. Deixo de trazer a potestade do ofício
em prol do governo da Igreja, mas no serviço da oração permaneço, por assim
dizer, no recinto de São Pedro. Nisto, ser-me-á de grande exemplo São Bento,
cujo nome adoptei como Papa. Ele mostrou-nos o caminho para uma vida, que,
activa ou passiva, está votada totalmente à obra de Deus." Boa viagem, peregrino.» José Pacheco Pereira - PÚBLICO
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