O TEMPO PERDIDO
"A tristeza do que pode acontecer torna-se não só parte da
nossa vida como indissociável da vida, fazendo companhia à felicidade e ao medo
de saber o que poderia ter acontecido. Não é preciso conhecer muitas culturas
diferentes da nossa para perceber que a nossa perde tempo - não apenas tempo de
mais, como tempo em si e ser como tal, à maneira das ruidosas e persuasivas
sugestões de Heidegger - a pensar mais nas possibilidades do que na sorte da
actual presença. Somos enfraquecidos por medos que não nos aconteceram e que
nunca nos acontecerão - mas imaginamos e tememos.
Sempre me chocou a diferença entre o worry inglês e o
preocupar português. A preocupação é uma ocupação anterior; prévia. Dá a ideia
de um destino. O worry pode aplicar-se apenas às (outras) ovelhas.
O medo e o amor estão para sempre, inevitavelmente, ligados.
A morte de quem se ama - ou de quem ama quem se ama - é inteligente e
emocionalmente vista como uma morte do amor em si.
O amor nunca morre: só pode nascer. Existe para além das
vidas de quem ama, como a humanidade. Amar é a certeza que nem todas as
possibilidades, por muito más que sejam, derrota.
Existe um momento, diante da pessoa amada, em que se percebe
que a sorte, de pouca dura, é tê-la encontrado e estar ao pé dela. E, no mais
loucamente afortunado dos sonhos, ser aceite, apaixonado, por ela.
A alegria do amor está no que já aconteceu e continua a
acontecer: o futuro é como a morte. Resta a nossa vida."
Miguel Esteves Cardoso - PÚBLICO
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