sexta-feira, 29 de março de 2013

Para começo do contraditório



"O contrato com Sócrates para ser comentador semanal no canal público de televisão teve de partir, ou de passar, por Relvas. Isso é óbvio. É uma contratação que infelizmente não surpreende porque, na verdade, José Sócrates e Miguel Relvas são políticos siameses. A história da licenciatura de Relvas foi o primeiro sinal de uma semelhança que se revela bem mais funda: o mesmo fascínio pelo mundo dos negócios, o mesmo desprezo pela cultura e pelo mérito, o mesmo tipo de relação com a comunicação social, o mesmo apego sem princípios ao poder e, acima de tudo, a mesma lata, uma gigantesca lata!

Como já há tempos afirmei, Sócrates e Relvas são sem dúvida os dois políticos que mais contribuíram para a crise moral, e de confiança, que o País atravessa. São casos que a radical mediatização dos nossos dias facilita. Nomeadamente, porque ela abriu as portas à irrupção de um novo tipo de político, que trocoua imagem de cidadão esforçado, reservado e responsável de outros tempos, por um perfil em que o traço dominante é, simplesmente, o da lata. E essa lata, é o quê? É sobretudo a expressão de uma afirmação pessoal sem limites de qualquer ordem, que tudo arrasa no seu caminho, num júbilo mais ou menos histérico.

Os "políticos de lata" estão em sintonia com muitas transformações do mundo contemporâneo, e que é por isso que eles suscitam inegáveis apoios e vivas controvérsias. Figuras maiores, bem ilustrativas deste fenómeno, são Sílvio Berlusconi ou Nicolas Sarkozy. São sempre criaturas mitómanas, destituídas de superego e, portanto, de sentido de culpa ou de responsabilidade. Revelam uma contumaz incapacidade de lidar com a frustração, que é, como Freud bem ensinou, onde começam todas as patologias verdadeiramente graves. Com eles, tudo se dissolve num narcisismo amoral, quase delinquente, que vive entre a alucinação de todos os possíveis e a rejeição de quaisquer limites.

A lata tornou-se num traço político muito frequente, que anima os mais variados, e lamentáveis, tipos de voluntarismo. Não admira pois que os políticos de lata se singularizem, não pela sua dedicação a causas ou a convicções, mas pelos intermináveis casos em que se envolvem e são envolvidos. É também por isso que eles têm sempre que tentar voltar - foi assim com Berlusconi, é o que se tem visto com Sarkozy, chegou a vez de José Sócrates. Não resistem... e todos encenam, para disfarçar a sua doentia obsessão com o poder, umas travessias do deserto mais ou menos culturais... Berlusconi com a música, Sarkozy com a literatura e o teatro, Sócrates com a filosofia. Mas o seu compulsivo "comeback" acaba sempre por se impor, porque ele é o tributo que eles têm que pagar à sua tão vazia como ilimitada mitomania. 

O que Sócrates deve fazer é assumir as suas responsabilidades na crise, e pedir desculpa aos portugueses - e para isso bastava uma entrevista pontual, sóbria, esclarecedora e responsável. É isso que os Portugueses merecem, é disso que a nossa democracia precisa, e é a isso que o Partido Socialista tem direito. Ficar a pastar nos comentários, pelo contrário, é puro circo político, e do pior: é usar o horário nobre do serviço público de televisão para jogadas de baixa política e de pura revanche política pessoal." 

Manuel Maria Carrilho Ler mais

Fala quem sabe e bem conhece a criatura. E nada melhor que uma "narrativa" sobre as principais qualidades dos grandes "animais políticos" do nosso tempo. O bicho promete e a desforra também. Haja animação e bofetada se necessário.     

Sem comentários: