FIM DA PASSAGEM DO PORTUGUÊS POR MADRID
Este fim-de-semana chega ao fim a tarefa do melhor treinador
da actualidade no complicado mundo do futebol espanhol. E como a experiência tem provado, a vida de treinador estrangeiro em Espanha não é fácil. Bem pior, se for
um português no comando técnico do principal clube da capital espanhola.
Entre muitas das tradições madridistas sustentadas por um
histórico de títulos invulgar, o Real Madrid é também o clube do mais
exacerbado e controverso centralismo nacionalista, onde os profissionais
estrangeiros com algumas afinidades com Espanha têm vida mais difícil: se forem
jogadores, apenas são tolerados enquanto forem excepcionais, como é o caso de
C. Ronaldo; se forem treinadores, dificilmente são reconhecidos, a não ser os
originários de países que considerem superiores, como no caso de holandeses ou italianos.
Com tal presunção, são implacáveis com os melhores jogadores e técnicos
argentinos ou portugueses. Por essa excessiva defesa da sua gente, chegam a
presumir ter grandes estrelas a jogar e a treinar nas principais ligas de
futebol, como a inglesa.
Para quem conheça e tenha acompanhado o percurso de José
Mourinho como treinador de excepção, teve oportunidade de verificar os
principais traços da sua personalidade, sobretudo naquilo que caracteriza a postura profissional. Não seremos excessivos se considerarmos Mourinho um homem
que mistura com todas as qualidades humanas e profissionais, quanto baste
de arrogância ou prepotência que todos os bem sucedidos no ofício da condução
de futebolistas jamais poderão dispensar. Também não será descabido referir o
imenso egocentrismo do José, capaz de descuidar a super protecção que muita
irresponsabilidade de alguns dos seus jogadores exigiria. Quanto à arrogância,
o próprio se tem encarregado de ser peremptório: todos os grandes líderes são
arrogantes (pelo menos, no caso do pontapé na bola, concordaremos). Quanto ao carácter egocêntrico, quem não reconhecer algo de fundamental que está associado ao dito
culto da personalidade está ser tendencioso. Referimo-nos aos méritos na arte
da comunicação, que tão bem domina e tão útil é à indústria futebolística. Só
que as maldades dos media não se ficaram por aqui.
Em relação à ancestral animosidade dos espanhóis para com os
portugueses, quando Mourinho chegou a Espanha já tinha toda a imprensa
castelhana munida de desconfiança e preparada para o atingir por todos os flancos.
Apesar do seu curriculum e do reconhecimento universal de que beneficiava seria
visado sem contemplações na primeira ocasião. E essa campanha iniciou depressa a
caminhada, para delícia do José e em prejuízo dos nativos. Com as insinuações e
suspeições mais desestabilizadoras, com as informações e manipulações mais deturpadoras,
os mais conhecidos e influentes jornalistas foram verbalizando continuadamente
a sua hostilidade contra o português. O mais estranho desta travessia de três
anos, sempre foi a facilidade com que um homem só, exímio na gestão do espaço
mediático que lhe pudesse corresponder, tudo conduziu como quis, contra um colectivo de profissionais da
comunicação que invariavelmente, nem conseguiram ultrapassar um sectarismo do mais
primário.
As principais bandeiras dos inimigos de Mourinho foram
acusações pueris do tipo: não se permite que um treinador falte ao respeito aos
jogadores - deviam dizer, a duas ou três“vacas sagradas” que jogam na selecção; não se aceita
que um treinador se sobreponha à mística de um clube como o Real Madrid - queriam dizer, a sua obrigação era dar exemplo dos
valores da casa. Só disparates de despeitados. Enquanto isso, contra Mou, qualquer
birra ou traição dos espanhóis da selecção era tolerada pela subserviente imprensa de Madrid; se fossem portugueses
como Pepe ou Coentrão, tanto melhor por serem do seu país; quem prejudicava o clube era um treinador
que tinha acabado com um balneário habituado à auto-gestão. Se nada mais houvesse para dizer, carecia de desportivismo. Desde sempre, os adeptos acusaram a imprensa de perseguição ao técnico enquanto se mantinham incondicionais do treinador, até que a saída de Mou se confirmasse. A comunicação social acabava a sua cruzada reconhecendo que deixou enormes saudades nos jogadores do Chelsea e do Inter, quando abandonou esses clubes, sem se interrogarem porque seria tão diferente com os do Real Madrid.
Mourinho regressa ao ponto de partida. Certamente para recomeçar novo ciclo. Em Espanha ficaram os seus principais inimigos absorvidos por uma última irritação: os jornalistas verificaram que ninguém ganhou a guerra contra Mourinho. Como simbólico estertor convidaram o
presidente do Real Madrid para uma entrevista de balanço. Objectivo: questionar
Florentino Pérez sobre o fracasso do treinador português. Como grande senhor
que sempre foi, esteve irrepreensível no reconhecimento do trabalho realizado, agradeceu ao treinador José o que fez pelo seu clube, desejou-lhe sucesso na continuação da carreira, tudo sem
qualquer acusação a Mourinho.