BRINCADEIRAS DA RAPAZIADA Alberto Gonçalves
Ao mesmo tempo que em Portugal se questionava, mais uma vez, o que tem levado o Governo ou o ministro das Finanças a falhar todas as previsões antecipadas sobre resultados e sobre os objectivos da governação, surge agora a necessidade urgente de avançar com mais um resgate para outro aflito da União Europeia. Se em Portugal deixou de haver quem acredite na competência dos principais membros do governo e na escolha das estratégias políticas adequadas para ultrapassar a crise, chegou a hora de também ser posta em causa a solução encontrada para resgatar o sistema financeiro de Chipre. O que agora se discute, para lá de cada Estado e olhando para a Europa comunitária, é a preparação política de todas estas criaturas apelidadas de tecnocratas, que se dedicam a conduzir os destinos dos países da União desprezando a perspectiva política, isto é, a congeminar desastrosas soluções centradas na austeridade e na asfixia monetária, para que cada membro moribundo não contribua para fazer ruir a União.
O que o Eurogrupo quer impor a Chipre e que o seu Parlamento
já recusou, demonstra que os líderes europeus estão à beira da loucura ou do
suicídio colectivo. Com medidas como o confiscar de depósitos, a Europa não
salva o Chipre. Pelo contrário, coloca o futuro do Euro em causa. Mais uma vez,
o cansaço de suportar a debilidade dos países periféricos está conduzir a uma maior
intransigência financeira da Alemanha e das economias do norte. O que pode
deitar tudo a perder. A Alemanha - a
seis meses de eleições - mostra assim que não está disposta a facilitar a vida
aos que prevaricaram. E desta vez Merkel tem o apoio da maioria dos
partidos opositores, para uma punição a Chipre e para obrigar a corrigir a sua descontrolada
política financeira. É isto que deve preocupar os resgatados portugueses. Não são os nossos depósitos que estão em causa. São
as ideias de que vamos ter um caminho mais fácil para o ajustamento. Pura ilusão. Até às
eleições alemãs não haverá sinais disso, como a sétima avaliação da troika
mostrou. Depois logo se vê. A hora é ainda de punição. Não vale a pena ir a
correr ao banco. Mas vale a pena perceber que quem tomou a decisão sobre Chipre
são os mesmos que avaliam o nosso desempenho.
Ontem um blog do Financial Times contava a seguinte anedota
que ajuda a explicar o esquema do ‘bailout' ao Chipre: um abastado e afidalgado
turista alemão chega a um hotel numa pequena aldeia cipriota. Quando chega à
recepção pede para inspeccionar os quartos para ver se são bons. O dono do
hotel dá-lhe as chaves e o turista alemão, antes de subir as escadas para ir
ver os quatros, deixa-lhe em cima do balcão uma nota de 100 euros. Enquanto
espera, o dono do hotel agarra nos 100 euros e vai ao talho pagar a sua dívida.
O dono do talho agarra nos 100 euros e vai a correr para o senhor que cria
porcos para lhe pagar o que lhe devia. Este pega nos 100 euros e vai à bomba de gasolina saldar as
suas dívidas. O senhor da bomba vai à tasca pagar os copos que ontem bebeu e
não pagou. O dono da tasca agarra nos 100 euros e entrega a uma prostituta que
ontem lhe tinha "oferecido" os seus serviços a crédito. A prostituta
pega no dinheiro e vai ao hotel para dar ao dono os 100 euros pelo quarto que
ela usou no dia anterior e não pagou. E entretanto, o turista alemão desce
as escadas e encontra a sua mesma nota de 100 euros no balcão da recepção. Diz
que não gostou dos quartos e agarra na sua nota de 100 euros, mete-a no bolso,
e vai-se embora. Enquanto isso, toda a aldeia ficou feliz já que todos ficaram
livres das suas dívidas.
O resgate ao Chipre não é um resgate. É uma operação de
cosmética. Os credores dão com uma mão e tiram com a outra. E os depositantes
são os únicos que têm alguma coisa a perder. Os eurocratas que tiveram esta ideia
para salvar o Chipre acharam que uma contabilidade criativa era capaz de
substituir um resgate tradicional e a solidariedade que deveria existir entre
os países europeus. A felicidade era tanta que os cipriotas não se contiveram e
até fizeram fila nas caixas multibanco e à frente das sedes dos principais
bancos. Se é injusto pôr os contribuintes a pagar o ‘bailout' dos bancos,
através de medidas de austeridade, ainda mais injusto é obrigar os depositantes
a dar parte do seu dinheiro à banca. Os impostos e a austeridade são injustos, mas
ainda assim têm alguma moralidade implícita. Obrigar as pessoas a ficar sem
parte do dinheiro é um assalto imoral. E abre um precedente na Europa. Até aqui
os depósitos tinham um único risco: a de falência do banco. Agora têm mais um:
a incompetência e a loucura dos políticos que governam esta Europa.
Como a coisa não está para brincadeiras, "Ay/ abrázame esta noche/ aunque no tengas ganas/
prefiero que me mientas". Helena Matos.
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