terça-feira, 19 de março de 2013

Manicómios sobrelotados



BRINCADEIRAS  DA RAPAZIADA  Alberto Gonçalves

Ao mesmo tempo que em Portugal se questionava, mais uma vez, o que tem levado o Governo ou o ministro das Finanças a falhar todas as previsões antecipadas sobre resultados e sobre os objectivos da governação, surge agora a necessidade urgente de avançar com mais um resgate para outro aflito da União Europeia. Se em Portugal deixou de haver quem acredite na competência dos principais membros do governo e na escolha das estratégias políticas adequadas para ultrapassar a crise, chegou a hora de também ser posta em causa a solução encontrada para resgatar o sistema financeiro de Chipre. O que agora se discute, para lá de cada Estado e olhando para a Europa comunitária, é a preparação política de todas estas criaturas apelidadas de tecnocratas, que se dedicam a conduzir os destinos dos países da União desprezando a perspectiva política, isto é, a congeminar desastrosas soluções centradas na austeridade e na asfixia monetária, para que cada membro moribundo não contribua  para fazer ruir a União. 

O que o Eurogrupo quer impor a Chipre e que o seu Parlamento já recusou, demonstra que os líderes europeus estão à beira da loucura ou do suicídio colectivo. Com medidas como o confiscar de depósitos, a Europa não salva o Chipre. Pelo contrário, coloca o futuro do Euro em causa. Mais uma vez, o cansaço de suportar a debilidade dos países periféricos está conduzir a uma maior intransigência financeira da Alemanha e das economias do norte. O que pode deitar tudo a perder.  A Alemanha - a seis meses de eleições - mostra assim que não está disposta a facilitar a vida aos que prevaricaram. E desta vez Merkel tem o apoio da maioria dos partidos opositores, para uma punição a Chipre e para obrigar a corrigir a sua descontrolada política financeira. É isto que deve preocupar os resgatados portugueses. Não são os nossos depósitos que estão em causa. São as ideias de que vamos ter um caminho mais fácil para o ajustamento. Pura ilusão. Até às eleições alemãs não haverá sinais disso, como a sétima avaliação da troika mostrou. Depois logo se vê. A hora é ainda de punição. Não vale a pena ir a correr ao banco. Mas vale a pena perceber que quem tomou a decisão sobre Chipre são os mesmos que avaliam o nosso desempenho. 

Ontem um blog do Financial Times contava a seguinte anedota que ajuda a explicar o esquema do ‘bailout' ao Chipre: um abastado e afidalgado turista alemão chega a um hotel numa pequena aldeia cipriota. Quando chega à recepção pede para inspeccionar os quartos para ver se são bons. O dono do hotel dá-lhe as chaves e o turista alemão, antes de subir as escadas para ir ver os quatros, deixa-lhe em cima do balcão uma nota de 100 euros. Enquanto espera, o dono do hotel agarra nos 100 euros e vai ao talho pagar a sua dívida. O dono do talho agarra nos 100 euros e vai a correr para o senhor que cria porcos para lhe pagar o que lhe devia. Este pega nos 100 euros e vai à bomba de gasolina saldar as suas dívidas. O senhor da bomba vai à tasca pagar os copos que ontem bebeu e não pagou. O dono da tasca agarra nos 100 euros e entrega a uma prostituta que ontem lhe tinha "oferecido" os seus serviços a crédito. A prostituta pega no dinheiro e vai ao hotel para dar ao dono os 100 euros pelo quarto que ela usou no dia anterior e não pagou. E entretanto, o turista alemão desce as escadas e encontra a sua mesma nota de 100 euros no balcão da recepção. Diz que não gostou dos quartos e agarra na sua nota de 100 euros, mete-a no bolso, e vai-se embora. Enquanto isso, toda a aldeia ficou feliz já que todos ficaram livres das suas dívidas. 

O resgate ao Chipre não é um resgate. É uma operação de cosmética. Os credores dão com uma mão e tiram com a outra. E os depositantes são os únicos que têm alguma coisa a perder. Os eurocratas que tiveram esta ideia para salvar o Chipre acharam que uma contabilidade criativa era capaz de substituir um resgate tradicional e a solidariedade que deveria existir entre os países europeus. A felicidade era tanta que os cipriotas não se contiveram e até fizeram fila nas caixas multibanco e à frente das sedes dos principais bancos. Se é injusto pôr os contribuintes a pagar o ‘bailout' dos bancos, através de medidas de austeridade, ainda mais injusto é obrigar os depositantes a dar parte do seu dinheiro à banca. Os impostos e a austeridade são injustos, mas ainda assim têm alguma moralidade implícita. Obrigar as pessoas a ficar sem parte do dinheiro é um assalto imoral. E abre um precedente na Europa. Até aqui os depósitos tinham um único risco: a de falência do banco. Agora têm mais um: a incompetência e a loucura dos políticos que governam esta Europa.

Como a coisa não está para brincadeiras, "Ay/ abrázame esta noche/ aunque no tengas ganas/ prefiero que me mientas". Helena Matos.


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