quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A MÃOZINHA DE CAVACO

(Sobre a interferência do Presidente na campanha eleitoral)



Saturados com a persistência dos políticos em fazer da campanha para as legislativas uma troca de acusações sobre envolvimentos conspirativos, regressa ao centro das atenções o assunto da Presidência da Republica sob vigilância. Num período de tanta crispação, ninguém deixou de pegar no tema como arma de arremesso.

Estamos perante um caso que, para já, se reduz ao domínio das denúncias e suspeições. Recuperado num momento político crucial, não surpreende que os esclarecimentos do Presidente fossem retardados até depois das eleições. Dependendo da importância do que pudesse dizer, também não seria descabido pronunciar-se de imediato. Entretanto, Cavaco Silva demite um dos mais próximos assessores e a coisa muda de figura. As forças políticas reclamam e a opinião pública espera um esclarecimento imediato da situação. Assim não o entendeu o Presidente Cavaco.

Como já ninguém duvida que esta possível ocorrência não foi recuperada por acaso, será interessante reflectir sobre os ganhos e perdas que possa provocar. Quem será beneficiado com os reflexos deste caso nos resultados eleitorais? Sou dos que acham que os actos de Cavaco nunca deixam de traduzir, antes de tudo, aquilo que convém a um Presidente, ainda no primeiro mandato. Assim, importará verificar os interesses dos partidos mais próximos do poder.

José Sócrates iniciou o ciclo eleitoral muito desgastado. Teve um arranque de legislatura promissor. Enfrentou as primeiras reformas com determinação, mas sem deixar de exibir o traço da arrogância que bem o caracteriza. Depressa reconhecemos no primeiro-ministro um hábil retórico, sem flexibilidade para negociar reformas e com desprezo pelas oposições. Com os casos da controversa licenciatura, da autenticidade de projectos urbanísticos e por fim, o Freeport, deparamos com um Sócrates aturdido reagindo com a vitimização. Emergiu a crise que por ser mundial serviu de refugio apaziguador, por algum tempo. Mas as consequências que se fizeram sentir no país deixaram o primeiro-ministro à deriva, enfraquecido e titubeante, às voltas com medidas paliativas, procurando remediar a crise interna. O primeiro teste eleitoral das europeias foi o mais duro golpe para um homem que se deslumbrou com o poder. Sofreu uma pesada derrota e nunca mais se recuperou. O líder plasticamente exuberante, seguro e confiante, um homem sobranceiro, deu lugar a um humilde cavalheiro. Com o peso destas suspeições e os muitos dramas que a crise vai deixando na sociedade portuguesa, Sócrates avança para as legislativas perseguido pelo espectro da próxima derrota.

Manuela Ferreira Leite tomou as rédeas de um PSD em convulsão interna, como tantas vezes. Foi-lhe entregue a missão de unificar e resgatar o partido do descrédito com que continuava a ser a única alternativa à hegemonia do PS. O seu crédito pessoal bastou para, em pouco tempo, colocar o partido no combate político. Se não havia dúvidas sobre a legitimidade da nova líder, havia um misto de expectativa e desconfiança acerca da eficácia da sua liderança. Com a imagem com que foi eleita, submeteu as controvérsias internas e fez vingar a sua linha austera na preparação do primeiro teste que a punha à prova. Foi assim que, com surpresa geral, ganhou as eleições europeias folgadamente, se quisermos pôr de parte a ideia de que foi Sócrates quem o eleitorado quis castigar. Ferreira Leite apresentou-se para as legislativas com esta renovada dinâmica e pouco mais. Na preparação destas eleições, cedo se notou que orientaria a campanha combatendo o governo de Sócrates com uma só arma, a bandeira da credibilidade, sem qualquer interesse pela discussão de políticas alternativas. Isto é, na expectativa de que o eleitorado volte a renovar o castigo a Sócrates ao julgar a sua acção governativa.

As estratégias do PS e PSD foram centradas na figura dos líderes, na empatia que pudessem criar, na capacidade mobilizadora de cada um. De Sócrates esperava-se que revelasse um lado mais humano e cordial na aproximação às pessoas. Com os recursos que foi capaz de reunir, conseguiu alguma reconciliação, expressa nos contactos efectuados pelo país. Foi assim que o incómodo caso TVI e o irrelevante caso Público depressa foram abafados pela sua eficaz retaguarda. Isto porque de todas as trapalhadas anteriores, já ninguém se lembra, a não ser para o desculpar. Mesmo não lhe perdoando, aparecem cada vez mais pessoas com vontade de lhe suspender o castigo. Coisa estranha mas muito típica de sociedades como a nossa. De Ferreira Leite esperava-se que aparecesse com a imagem que sempre teve. A pessoa certa para merecer a confiança de reencaminhar o país. Com esta postura não podia ter muito espaço para deslizes. As suas gafes, as suas displicências, não foram letais mas despertaram o eleitorado para as suas fraquezas. Pior, com as suas debilidades, predispôs um eleitorado cansado de bater em Sócrates, a dirigir contra si descontentamentos e exigências de uma revolta contida.

Com a campanha a decorrer da forma que todos antecipavam, reduzida a uma sucessão de casos e alheada da discussão de políticas, a inesperada intromissão de Cavaco Silva sem nada esclarecer, representou um sério revés para a estratégia social-democrata. É legítimo afirmar que foi o Presidente da República a desferir o golpe menos oportuno em Ferreira Leite. A gestão de Cavaco atingiu o PSD e aliviou o PS. Num momento como este, foi mais uma vez recordada a conivência de Belém com o PSD, algo que este acto do Presidente desmente. Mas o mais importante para um eleitorado zangado, com vontade de repartir castigos, é que finalmente havia matéria para também acusar a líder da oposição. Este eleitorado precisa de justificar desta maneira afirmações tais como: Os políticos são todos iguais!

Se nada de mais relevante nos surpreender, a poucos dias da escolha eleitoral que os portugueses farão, que influência terá nos resultados dos principais candidatos â governação, especialmente pelo impacto deste ultimo caso, este clima de suspeições, de invenções, o que seja, sobre escutas na Presidência da República? Como reagirá o eleitorado a estas insólitas ocorrências? É possível que contrariem o que parece ser o desfecho antecipado? Não creio.

A razão porque não espero um comportamento que surpreenda, uma recusa de práticas políticas manhosas ou indignas, uma ruptura com esta ordem bacoca que manipula e desrespeita, em suma: um basta nisto tudo! é o problema de todos os povos que teimam em ser subdesenvolvidos, sem ambição, sem exigência, incapazes de remover aquilo que os impeça de progredir. Somos um país em que experiência política nada tem contribuído para uma cultura democrática. É por isso que somos governados pela incompetência e pela corrupção. É por isso que continuamos a escolher governantes apenas pelos afectos, não por serem bons especialistas mas por parecerem boas pessoas. Os resultados, aí estão.

2 comentários:

Allegro ma non troppo disse...

Isso é um discurso de derrota?

Eu acho que no Domingo e nos dias seguintes vão haver surpresas, e nem todas agradáveis.

Veremos.

Bento Caraças disse...

Quem são os derrotados? Desagradáveis para quem?
Se ainda há coisas a discutir, bem-vindos ao contraditório.