segunda-feira, 8 de abril de 2013

Ainda a tempo


NA MELHOR DAS HIPÓTESES...

O mais caricato da vida política, no Portugal democrático, é a forma como as forças partidárias perspectivam acordos e pactos de governação. As coligações que habitualmente viabilizam governos de certos países europeus, nunca servem de modelo governativo para os grandes partidos portugueses aplicarem, nem nas circunstâncias  tão excepcionais como as desta fase de falência e resgate nacional. As experiências de projecto comum de governo como o actual têm sido aplicadas, mais pelos partidos da direita que da esquerda, desde que satisfaçam a condição primordial de haver partilha do poder. De compromissos para viabilizar governos ou reformas políticas de fundo, só a partir do parlamento e sem assento no governo, não temos memória. Quando todos sabemos das vantagens de haver um pacto de governação e da estranheza sentida pela Europa por esse acordo essencial não ser preocupação dos nossos políticos. Para qualquer parceiro europeu, só a enorme insensatez dos portugueses justificará a inexistência de um amplo contrato, a partir dos iniciais subscritores do memorando de entendimento, capaz de desbloquear os maiores entraves à tão ansiada reforma do Estado e ao cumprimento das condições impostas pela troika. É lamentável que os principais intervenientes no processo que a bancarrota desencadeou, não sintam a responsabilidade de se dedicarem a esta difícil tarefa, com mais empenho e menos exigências, com outro sentido de Estado.    

O Tribunal Constitucional decidiu, está decidido e cabe aceitar. Mas tal como antes do desfecho muito se praguejou sobre pressões, com a mesma legitimidade se pode agora fustigar o veredicto. Para leigo na matéria: a sentença é resultado de uma interpretação que podia ir noutra direcção como foi no passado ano; a decisão assenta em critérios de igualdade que como pressuposto não se verifica; o problema da apreciação política não desaparece submetendo as normas orçamentais ao texto constitucional; a Constituição é um documento ideológico que condiciona e desrespeita a realidade.

Tanto o Presidente da República como os partidos políticos que solicitaram apreciações de constitucionalidade, acabaram por remeter para os magistrados as decisões políticas. Enquanto isso, os partidos da esquerda parlamentar não deixaram de demonstrar o seu agrado pelo contributo dado pelos juízes para a preservação de direitos sociais adquiridos. Talvez só não valesse a pena esperar que Seguro se dirigisse ao TC para recordar o que disse ao Governo, "quem criou o problema que o resolva". O que de nada serviria. Nem os juízes compensariam o rombo no OE, nem declarariam inconstitucional outro resgate. No final, parece que os chumbos que atingiram o orçamento não serão suficientes para derrubar o Governo. Podem é correr com a troika e fazer voar o dinheiro que ainda nos sustenta.  

O Governo não apresentou sinais de ter ficado muito abalado com o choque e reagiu com o dramatismo que o desenlace justificou. Se o primeiro-ministro decidiu continuar e prosseguir com a orientação política traçada, só podia aparecer com a determinação demonstrada. E não colocando a hipótese da demissão também será dispensável uma eventual remodelação do Governo. Se não é por causa do feitio de Gaspar que há derrapagens nas finanças públicas, se não é a informalidade do Álvaro que dificulta o crescimento económico, que seja dada a importância devida à coordenação política e à estratégia de comunicação, principais fragilidades do executivo.   

Salientar com insistência que foi o chumbo do TC que veio estragar tudo, porque o ajustamento iniciado estava a ser um êxito, é um disparate com pouco sentido. Por agora, o Governo recusa aumentar a carga fiscal e vai minorar o impacto nas contas públicas com cortes nas prestações sociais, na educação e na saúde. São diminuições nos gastos públicos que poderão decorrer da tão adiada reforma do Estado social. Um caminho inevitável e doloroso que é preciso percorrer, para evitar a ruptura anunciada de um sistema de protecção inviável. Não terá outra alternativa para tentar fugir à derradeira saída de um novo resgate.

Nesta fase em que já não sobra espaço para mais falhas, os partidos políticos do arco governativo não podem faltar ao compromisso que dizem ter assumido com os portugueses. Demonstrem com as cedências exigidas pelo projecto de salvação que merecem essa confiança. Recuperar da bancarrota nacional e do impacto da crise europeia na vida económica e social do país ainda é meta distante. Talvez seja esta a última oportunidade para reformar Portugal definitivamente. Essa espécie de desígnio nacional que nunca mais passa das intenções e assim se vai decompondo e definhando. Nós estamos cansados de histórias e do eco dos lamentos. Aquilo que continua a faltar fazer é muito. Mas também é muito aquilo que ainda se pode fazer. Como quem insiste, porque tem a mania de "reiniciar", porque se recusa a "encerrar".

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