PORTUGAL DESCANSADO
O dr. Pedro Passos Coelho foi ao Pontal, lugar sagrado da
sua seita, onde se aliviou de um emaranhado de frases sem ordem, sem clareza e
sem gramática. Parece que o nosso querido primeiro-ministro confia nas suas
qualidades de improvisador e não se dá ao trabalho de escrever os discursos com
que pretende informar os portugueses. Os portugueses ficam na mesma; e os
comentadores de jornal ou de televisão tentam depois (e nem sempre conseguem)
extrair algum sentido do que o cavalheiro disse. Anteontem, pareciam bruxas à
volta de um endemoninhado. Nem o próprio público jantante o percebeu. Quase que
não se ouviram palmas naquela audiência tratada a arroz de pato e muito bem
sentada em cadeiras de um hotel qualquer. Se aquilo é um partido político (e
eles juram que sim), não sei o que sucedeu à política.
As competências da nova raça que ultimamente chegou ao poder
(com ou sem uma licenciatura reconhecida e "normal") não vão além de
um certo talento para a intriga e as relações públicas, do servilismo
indispensável à sua eventual promoção e de uma raiva indiscriminada e
automática a quem lhes pede um módico de responsabilidade ou lhes põe um
obstáculo incómodo. A iliteracia é a sua qualidade comum. Sexta-feira, Pedro
Passos Coelho falou como um exemplar típico desta gente, ou seja, como
presidente da JSD. Tanto quanto consegui compreender, este presidente da JSD,
que inteiramente por acaso manda em Portugal, acha que a leve aragem económica
que no segundo trimestre passou pelo país confirma a subtileza e a correcção da
sua política. Qualquer pessoa com um ou dois neurónios percebe a loucura de
comunicar à populaça uma enormidade tão falsa e tão ridícula. Passos Coelho não
percebe.
Verdade que ele não se esqueceu dos "riscos" que
ainda nos separam da felicidade e claro que ele não tem nada a ver com os ditos
"riscos". Há o "risco" de a "Europa" não
"crescer". Há o "risco" de o Tribunal Constitucional armar
por aí outro sarilho. Há o "risco" de os ministros se atrapalharem
com a "execução" do Orçamento. E há também uma dúzia de
"riscos" menores, como manifestações da esquerda que desfaçam a nossa
perfeitíssima "coesão social". O dr. Passos Coelho anda a levar uma
vida perigosa, no meio de inimigos que lhe querem mal. Mas, num assomo de
grande coragem, lá acabou por desembuchar os dois recados que o tinham arrastado
para o Pontal. Eram eles: que, mesmo que "perdesse" a guerra das
câmaras, não saía do Governo; e que, apesar dos pessimistas (suponho que do
partido), ele ia com certeza ganhar a guerra das câmaras e, portanto, não saía
do Governo. Portugal adormeceu descansado.
Vasco Pulido Valente - Público
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