terça-feira, 13 de agosto de 2013

Portugal tão portugês



O "NOVO CICLO"

Passei as férias, como compete à minha idade e à minha condição, a ler e a dormir, sem pôr um pé na rua. Assisti à trapalhada política que tanto comoveu o país de muito longe: alguns jornais com o café da manhã, uns minutos de televisão (normalmente sem som), os dois discursos de Cavaco e pouco mais. Acabei por concluir que, no fundo, não aconteceu nada. Uma vulgaríssima zaragata no Governo, conversas sem sentido com o Presidente da República, a obrigatória tentativa de conciliação das partes e no fim as mesmas caras a dizer o que sempre disseram e que toda a gente já sabe de cor e um estreante (parece que prometedor). Na essência, as coisas não mudaram e não mudarão tão cedo. É isto a vida habitual de uma democracia parlamentar à moda clássica. 
Se o país se entusiasmou, foi porque se julga em crise. Ora se em 2011, quando de repente se descobriu a extensão da nossa miséria houve uma crise, agora não há crise nenhuma, há o longo processo do nosso empobrecimento que nem Cavaco, nem os partidos conseguirão parar. Durante anos, se tivermos sorte, veremos o espectáculo patético de um governo a sair e outro a entrar, excitando os comentadores e deixando os portugueses cada vez pior. Os portões de Belém vão abrir e fechar como nunca abriram ou fecharam antes. Cá fora, a gritaria irá diminuindo. Não existe grande risco para o regime, porque não existe qualquer alternativa: ninguém hoje acredita na República, no comunismo ou na ditadura. De resto, o Exército, profissionalizado e pacífico, não é capaz de um verdadeiro "golpe" e menos de tomar conta dos sarilhos correntes.
Só o colapso da Europa e a devolução à força da nossa soberania podem eventualmente produzir aqui perturbações de consequência (uma inflação descontrolada, por exemplo). Mas também na Europa não se podem esperar acontecimentos dramáticos. A decadência dessa extraordinária utopia será por natureza intermitente e lenta e dará tempo para cada um se ajeitar segundo o seu gosto. É claro que a nossa tendência para a asneira não irá miraculosamente desaparecer; e que o "povo" com certeza que descerá à "rua", sem saber o que quer, nem perceber o que pede. Não importa. O nosso velho conservadorismo, que até persiste em se agarrar a Pedro Passos Coelho, não gosta de excessos. E o que sucede em Portugal, por definição, é português.

Vasco Pulido Valente - Público

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