O "NOVO CICLO"
Passei as férias, como compete à minha idade e à minha
condição, a ler e a dormir, sem pôr um pé na rua. Assisti à trapalhada política
que tanto comoveu o país de muito longe: alguns jornais com o café da manhã,
uns minutos de televisão (normalmente sem som), os dois discursos de Cavaco e
pouco mais. Acabei por concluir que, no fundo, não aconteceu nada. Uma
vulgaríssima zaragata no Governo, conversas sem sentido com o Presidente da
República, a obrigatória tentativa de conciliação das partes e no fim as mesmas
caras a dizer o que sempre disseram e que toda a gente já sabe de cor e um
estreante (parece que prometedor). Na essência, as coisas não mudaram e não
mudarão tão cedo. É isto a vida habitual de uma democracia parlamentar à moda
clássica.
Se o país se entusiasmou, foi porque se julga em crise. Ora
se em 2011, quando de repente se descobriu a extensão da nossa miséria houve
uma crise, agora não há crise nenhuma, há o longo processo do nosso
empobrecimento que nem Cavaco, nem os partidos conseguirão parar. Durante anos,
se tivermos sorte, veremos o espectáculo patético de um governo a sair e outro
a entrar, excitando os comentadores e deixando os portugueses cada vez pior. Os
portões de Belém vão abrir e fechar como nunca abriram ou fecharam antes. Cá
fora, a gritaria irá diminuindo. Não existe grande risco para o regime, porque
não existe qualquer alternativa: ninguém hoje acredita na República, no
comunismo ou na ditadura. De resto, o Exército, profissionalizado e pacífico,
não é capaz de um verdadeiro "golpe" e menos de tomar conta dos
sarilhos correntes.
Só o colapso da Europa e a devolução à força da nossa
soberania podem eventualmente produzir aqui perturbações de consequência (uma
inflação descontrolada, por exemplo). Mas também na Europa não se podem esperar
acontecimentos dramáticos. A decadência dessa extraordinária utopia será por
natureza intermitente e lenta e dará tempo para cada um se ajeitar segundo o
seu gosto. É claro que a nossa tendência para a asneira não irá miraculosamente
desaparecer; e que o "povo" com certeza que descerá à
"rua", sem saber o que quer, nem perceber o que pede. Não importa. O
nosso velho conservadorismo, que até persiste em se agarrar a Pedro Passos
Coelho, não gosta de excessos. E o que sucede em Portugal, por definição, é
português.
Vasco Pulido Valente - Público
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