O QUE SE PREPARA
Não tenciono comentar a impostura que por aí se chama
"reforma do Estado" e que sempre começa com a redução das pensões dos
reformados, porque é mais fácil e, com a possível excepção do CDS, não
prejudica muito os partidos. Não se tocou, por exemplo, na administração local,
porque a administração local continua a ser, para o PS e o PSD, uma base de
recrutamento e a máquina indispensável para se financiar e ganhar eleições.
Claro que o movimento da população para o litoral, o manifesto custo de 308
câmaras, na maior parte sem qualquer espécie de utilidade, e a megalomania dos
políticos da província exigiam medidas drásticas. Mas como se iriam então
aguentar as "concelhias" que são em Portugal a única e precária raiz
dos partidos que formam e sustentam o regime vigente?
De qualquer maneira, a redução geral da despesa do Estado,
que a troika impõe ou vai impor, implica uma revolução violenta nos costumes
que se estabeleceram desde o "25 de Abril". O pagamento dos
"militantes", que se fazia em "negócios", subsídios, num
ocasional lugar no Parlamento e, sobretudo, em carreiras favorecidas na função
pública, não consegue com certeza sobreviver ao desaparecimento dos dez mil
milhões que gastávamos regularmente a mais. Mas ficam, em princípio, o programa
e a ideologia de cada partido? Não ficam. Tirando o Bloco e o PC, que só valem
para o protesto e o desabafo, nada de essencial distingue o PSD, o PS e o CDS.
Há ainda, como é óbvio, o que numa nojenta metáfora futebolística os
aficionados descrevem como "amor à camisola".
Só que nenhum "amor à camisola" resiste à derrota
ou à decadência de um clube ou de um partido. Quando se perderem as vantagens
da fidelidade ao PS e ao PSD, pouca gente os levará a sério. O futuro não está
ou voltará a estar neles. Têm de se procurar outros caminhos para sair do
desemprego (principalmente, quando se é "jovem") ou para não deslizar
pouco a pouco para a miséria: a emigração, claro; a pequena empresa; o
raríssimo lugar numa multinacional; ou a resignação ao trabalho precário, que
tanto excitou neste Verão os srs. ministros. Seja como for, os partidos, que já
ninguém estima ou leva a sério, acabaram no ar, sem uma verdadeira ligação à
sociedade. O espectáculo da eleição para a Câmara do Porto é já um bom sintoma
do que se prepara: o caos.
Vasco Pulido Valente - Público
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