sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Senhores dos destinos do mundo



UM  CASO

O que surpreendeu nas reacções que a morte de António Borges provocou foi o excesso da esquerda e da direita. A esquerda, sobretudo na Internet, não se coibiu de manifestar o seu contentamento, como se o homem fosse um criminoso, que por sua alta recreação queria reduzir Portugal à miséria. A direita tratou o caso como se António Borges tivesse sido uma alta personagem do Estado ou da sociedade portuguesa. Para quem passou a maior parte da sua vida activa no estrangeiro e fez lá o substancial da sua carreira, desde o Insead ao Goldman Sachs e ao FMI, esta homenagem um tanto inesperada pareceu inexplicável. Da obscenidade moral da Internet às declarações do Presidente da República, do primeiro-ministro e de algumas dezenas de notabilidades vai um abismo.
Isto à primeira vista não se percebe. Mas, se pensarmos no ascendente que a profissão de economista tomou em Portugal, é logo claro que António Borges era uma personagem importantíssima de um pequeno grupo que se julga destinado a governar Portugal e que atribui a desgraça para que o país pouco a pouco resvalou ao simples facto de os políticos há 30 anos se recusarem a seguir as suas receitas. De um lado, a ignorância triunfante dos partidos. Do outro, a infalível sabedoria de uns tantos privilegiados, que se educaram em Princeton ou em Harvard, em Stanford ou em Yale. E o extraordinário é que a generalidade da classe média acredita nesta visão do mundo. Basta ver o deslocado respeito que recebeu a mediocridade de Vítor Gaspar; e a absurda imputação a António Borges dos males da Pátria, para que ele não metera nem prego, nem estopa.
De qualquer maneira, o antagonismo entre esquerda e direita a propósito deste episódio serviu para mostrar uma coisa muito simples: que a economia não é uma ciência. Ninguém abriu a boca senão para se aliviar de argumentos puramente ideológicos, contra ou a favor de uma doutrina ou para elogiar António Borges como se elogia um militante de uma Igreja ou um velho e seguro revolucionário. E mesmo na direita e no centro moderado se reconheciam a olho nu as fracturas de escola. Os senhores da economia reclamam para ela o estatuto da medicina, por exemplo, mas quando se põem a perorar é para se agredirem ou para tentar impor as verdades de fé, que eles próprios não compreendem muito bem.

Vasco Pulido Valente - Público

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