UM CASO
O que surpreendeu nas reacções que a morte de António Borges
provocou foi o excesso da esquerda e da direita. A esquerda, sobretudo na
Internet, não se coibiu de manifestar o seu contentamento, como se o homem
fosse um criminoso, que por sua alta recreação queria reduzir Portugal à
miséria. A direita tratou o caso como se António Borges tivesse sido uma alta
personagem do Estado ou da sociedade portuguesa. Para quem passou a maior parte
da sua vida activa no estrangeiro e fez lá o substancial da sua carreira, desde
o Insead ao Goldman Sachs e ao FMI, esta homenagem um tanto inesperada pareceu
inexplicável. Da obscenidade moral da Internet às declarações do Presidente da
República, do primeiro-ministro e de algumas dezenas de notabilidades vai um
abismo.
Isto à primeira vista não se percebe. Mas, se pensarmos no
ascendente que a profissão de economista tomou em Portugal, é logo claro que
António Borges era uma personagem importantíssima de um pequeno grupo que se
julga destinado a governar Portugal e que atribui a desgraça para que o país
pouco a pouco resvalou ao simples facto de os políticos há 30 anos se recusarem
a seguir as suas receitas. De um lado, a ignorância triunfante dos partidos. Do
outro, a infalível sabedoria de uns tantos privilegiados, que se educaram em
Princeton ou em Harvard, em Stanford ou em Yale. E o extraordinário é que a
generalidade da classe média acredita nesta visão do mundo. Basta ver o
deslocado respeito que recebeu a mediocridade de Vítor Gaspar; e a absurda
imputação a António Borges dos males da Pátria, para que ele não metera nem
prego, nem estopa.
De qualquer maneira, o antagonismo entre esquerda e direita
a propósito deste episódio serviu para mostrar uma coisa muito simples: que a
economia não é uma ciência. Ninguém abriu a boca senão para se aliviar de
argumentos puramente ideológicos, contra ou a favor de uma doutrina ou para
elogiar António Borges como se elogia um militante de uma Igreja ou um velho e
seguro revolucionário. E mesmo na direita e no centro moderado se reconheciam a
olho nu as fracturas de escola. Os senhores da economia reclamam para ela o
estatuto da medicina, por exemplo, mas quando se põem a perorar é para se
agredirem ou para tentar impor as verdades de fé, que eles próprios não
compreendem muito bem.
Vasco Pulido Valente - Público
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