O PROTECTORADO
Muita gente sofre, como Paulo Portas, com a situação de
protectorado a que a dívida e o défice nos fizeram descer. Não têm razão para
se afligir. Em primeiro lugar, porque a responsabilidade do euro não é nossa, é
principalmente do sr. Mitterrand, esse génio por quem tanto se chora, e do sr.
Kohl, um dos "pais" da "Europa" em que vivemos. E, em
segundo lugar, porque este protectorado continua, numa forma branda, uma velha
tradição portuguesa. Desde o fim do século XVIII à Ditadura de Salazar, a
Inglaterra mandou em nós sem qualquer restrição: armou exércitos, punha e
dispunha dos governos, proibiu partidos (como, por exemplo, o de Costa Cabral
em 1847), sustentou (ou não sustentou) as nossas finanças como lhe convinha e
até exigiu receber directamente uma parte das receitas do Estado, sem perturbar
o indigenato por aí além.
A hegemonia, no sentido próprio da palavra, da Alemanha, sob
capa da troika, não nos deve hoje indignar como caso único. A Alemanha, de
resto, não se interessa particularmente por nós, de quem não quer ou espera
nada. A espécie de ditadura que nos resolveu impor não passa de uma medida
profiláctica. O euro, como se sabe, exige uma união política para as coisas
correrem bem e essa união política é pura e simplesmente utópica. Entretanto, a
Alemanha vai vendo com horror a aproximação do momento em que se tornará o
último recurso da irresponsabilidade interna de umas dezenas de países. Se
decidiu ser de uma particular severidade connosco e com a Grécia foi para não
abrir um precedente. O que a preocupa é a França, que se recusa a qualquer
reforma substancial e que não tardará a cair no buraco em que nós caímos.
Ora se o nosso problema e o problema da Grécia se resolvem
com uns trocos, uma eventual ajuda à França, e com ela à Itália, provocaria
provavelmente uma inflação descontrolada. E não existe na Alemanha um medo
maior: a memória activa da grande inflação, que as duas desastrosas guerras do
século XX provocaram, continua a dirigir o cidadão comum. E, segundo uma
sondagem séria, o dito cidadão comum prefere o cancro a uma terceira catástrofe
financeira. Neste aperto, a sra. Merkel tenta tranquilizar a populaça com a sua
intransigência e rigidez, enquanto um pouco à socapa ajuda Portugal e a Grécia
a não irem ao fundo. Mas, como não autoriza ou determina directamente o nosso
orçamento, a nossa dívida e a nossa política, não parece que chegue muito
longe. Neste protectorado, o protector gostava principalmente que não o
maçassem.
Vasco Pulido Valente - Público
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