terça-feira, 16 de julho de 2013

Deserto de ideias e tanta criatura



SEM PASSADO E SEM FUTURO

Depois de arrasado este país pela "Europa" e pelos políticos, fica ainda alguma memória política útil para recomeçar uma vida normal? Para não passar do século XX, porque o século XIX não se recomenda, é preciso ver se a herança da I República nos deixou tradições que possam unir e servir os portugueses. Não deixou com certeza uma tradição democrática ou de reverência pelo direito estabelecido. Não deixou também uma tradição de "fomento" económico (como à época se dizia). Mesmo com o intervalo da Ditadura, não sobra desse tempo tumultuoso e violento mais do que a separação do Estado e da Igreja, um ponto que hoje ninguém discute e ninguém quer mudar. Originária de uma revolução acabou com um pronunciamento militar, que nos trouxe, para nosso mal, o dr. Oliveira Salazar.
O dr. Oliveira Salazar não se esforçou muito para tornar Portugal menos pobre, até porque sabia (e não se enganava) que um Portugal sem fome e sem miséria o punha em risco. Liquidou pelas mesmas razões qualquer vestígio de liberdade (fosse ela inócua) e, ajudado pela polícia secreta, criou na classe média uma inclinação tenaz para a irresponsabilidade e a subserviência, que persistem até hoje no funcionalismo e nos partidos. A Ditadura caiu, como a República perante um pronunciamento militar, já quando Salazar morrera e Marcelo Caetano governava numa situação desesperada. Do regime, que um e outro se esforçaram por perpetuar, nada se aproveita; e os portugueses colectivamente esqueceram essa longa tragédia que se abateu sobre eles. Nem a direita gosta de se lembrar ou ser lembrada do seu triste reino em Portugal.
Não vale a pena falar do PREC, que desapareceu depressa. Mas vale a pena falar dos 30 anos de democracia a seguir a 1976. Dos quatro partidos que emergiram na nova democracia, nenhum conseguiu criar a sua história ou a sua própria memória. As reviravoltas do CDS não permitiram que emergisse a mais leve forma de continuidade. No PSD, Sá Carneiro é usado de quando em quando para sossego dos "notáveis" da casa, mas por si só não chega para fundar uma tradição ou sequer um estilo. Cavaco, sendo um indivíduo sem o menor atractivo humano, não convenceu os portugueses, tirando um grupinho de fiéis que se agarra a ele por ambição. O PC, que se transformou num arcaísmo, na prática não existe. E o PS, na falta de Soares, que nos livrou do PREC, foi pouco a pouco corrompido por um bando de espertalhões, que não se distinguem bem dos seus colegas do PSD e do CDS. Se houver um dia a necessidade de pôr em pé um novo regime político, onde o vamos buscar?

Vasco Pulido Valente - Público

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