OS GÉNIOS QUE NOS GUIAM
Não tenho uma palavra a tirar do que escrevi na manhã do dia
da greve geral. A greve foi, para variar, uma greve de trabalhadores do Estado,
muito especialmente dos transportes, que pouco a pouco se tornaram uma espécie
de representantes do país. A interpretação que se deu depois ao que sucedera é que
me espantou. Um sábio comentarista declarou o "protesto" uma forma
democrática e pacífica de "canalizar" o descontentamento, mas não
pareceu perceber que esse "protesto", minuciosamente organizado, foi
um melancólico fracasso. Outro sábio comentador disse que o lúgubre espectáculo
de quinta-feira ajudara a salvar a pátria e também a alma do lusíada, coitado.
E ainda outro (um ministro) declarou com solenidade que respeitava os
grevistas, como se os grevistas precisassem para alguma coisa do respeito dele.
Como de costume a CGTP proclamou a chamada
"paralisação" nada menos do que "extraordinária". Não viu
com certeza as ruas vazias, nem as praias cheias. Nunca a realidade consegue
penetrar na colectiva cabeça de um verdadeiro comunista. A UGT, com o embaraço
de quem evita mentir muito, anunciou um grau de adesão de 50 por cento, segundo
o velho princípio português de não ofender ou irritar ninguém. Mas, no fim da
festa, Carlos Silva aliviou o seu sobrecarregado espírito com duas máximas
definitivas. Começou por explicar que a greve geral estava a ser
"banalizada", como se ele próprio não tivesse a menor
responsabilidade por essa "banalização". E, a seguir, ofereceu ao
"bom povo" de Portugal este infalível método de governo: "Primeiro
o combate à fome, à miséria, à desigualdade. Primeiro nós", claro. E as
"contas" que esperem.
Não sei se este sistema é alegremente aceite nas lojas em
que o sr. Carlos Silva se abastece. De qualquer maneira, distrai da ladainha
estabelecida: a política falhada do sr. Gaspar, a necessidade de correr com
Passos Coelho, a fantasia do "crescimento económico" e a urgência de
uma baixa perceptível de impostos. Para não falar na miséria dos portugueses,
que deviam prender, julgar e condenar os respeitáveis malandros que nos meteram
neste sarilho. O sr. Carlos Silva da UGT, ao menos, conseguiu propor uma
solução expeditiva e simples. Nós, por gentileza, agradecemos. Carlos Silva
chegou finalmente ao nó do problema: quem não tem rouba. É finalmente o ovo de
Colombo.
Vasco Pulido Valente - Público
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