O INDIVÍDUO E O PODER
Não há maneira de explicar a Revolução Francesa sem
perceber, e perceber bem, quem era Luís XVI, como não há maneira de explicar a
I Guerra Mundial sem perceber, e perceber bem, quem eram Nicolau II da Rússia e
o Kaiser da Alemanha, Guilherme II. Isto ilustra a impotência das causas
materiais para interpretar a História. E, de resto, não é o que nós fazemos,
quando nos dá para compreender a crise ou a "Europa". No fim da
Monarquia, muita gente se queixava da falta de "homens" (por outras
palavras, de "homens de Estado"), e agora essa velha e muito justa
lamúria recomeçou com o desaparecimento de Delors e Kohl, dos fundadores desta
II República (Soares, Zenha, Sá Carneiro e de umas tantas personagens menores).
Com uma certa razão. Não se vê ninguém capaz de restaurar a desgraçada ordem
portuguesa.
Não vale a pena contar os pormenores, mas sem dúvida o que
levou Luís XVI, Nicolau II e o alucinado Guilherme a uma irredimível catástrofe
foi a incapacidade dos três de estabelecerem um poder homogéneo, forte e estável,
mesmo quando a origem de todo o poder residia neles. Pedro Passos Coelho
arruinou o seu, que, sendo democrático e legítimo, não tinha contestação de
princípio, com uma extraordinária rapidez. Em 2013, quando festeja (?) o seu
segundo aniversário, como quem vai a um velório, já não lhe resta o mais leve
vestígio de autoridade. Para começar, os portugueses não acreditam nele:
prometa o que prometer, garanta o que garantir, faça o que fizer, em última
análise, só aumenta o seu descrédito, o cepticismo do cidadão comum e a geral
ansiedade do país. "Que andará ele a preparar?", é sempre o que se
pergunta.
O Governo, para efeitos práticos, deixou de existir. Pedro
Passos Coelho criou primeiro um favorito (Vítor Gaspar), o erro mais destrutivo
de quem manda. Depois, pouco a pouco, permitiu que o CDS se distinguisse do PSD
na coligação. E, no fim, até nem evitou que se criassem grupos de oposição
dentro do próprio ministério e no seu partido. Esperar que ele um dia acabe com
esta macacada é uma fantasia. As falsas "remodelações" (por exemplo,
Relvas por Maduro) não levaram a nada e, entretanto, taparam o caminho a uma
verdadeira remodelação. O que se ouve do Governo não se distingue da cacofonia
dos comentadores. O que valia ontem, não vale amanhã. O que se jurou
solenemente no Parlamento, um pobre ministro ou secretário de Estado não hesita
em desmentir, sem consequências, na semana seguinte. O caos cresce, e com Pedro
Passos Coelho continuará a crescer.
Vasco Pulido Valente - Público
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