terça-feira, 9 de julho de 2013

Dias antes e ainda actual



O INDIVÍDUO E O PODER

Não há maneira de explicar a Revolução Francesa sem perceber, e perceber bem, quem era Luís XVI, como não há maneira de explicar a I Guerra Mundial sem perceber, e perceber bem, quem eram Nicolau II da Rússia e o Kaiser da Alemanha, Guilherme II. Isto ilustra a impotência das causas materiais para interpretar a História. E, de resto, não é o que nós fazemos, quando nos dá para compreender a crise ou a "Europa". No fim da Monarquia, muita gente se queixava da falta de "homens" (por outras palavras, de "homens de Estado"), e agora essa velha e muito justa lamúria recomeçou com o desaparecimento de Delors e Kohl, dos fundadores desta II República (Soares, Zenha, Sá Carneiro e de umas tantas personagens menores). Com uma certa razão. Não se vê ninguém capaz de restaurar a desgraçada ordem portuguesa.
Não vale a pena contar os pormenores, mas sem dúvida o que levou Luís XVI, Nicolau II e o alucinado Guilherme a uma irredimível catástrofe foi a incapacidade dos três de estabelecerem um poder homogéneo, forte e estável, mesmo quando a origem de todo o poder residia neles. Pedro Passos Coelho arruinou o seu, que, sendo democrático e legítimo, não tinha contestação de princípio, com uma extraordinária rapidez. Em 2013, quando festeja (?) o seu segundo aniversário, como quem vai a um velório, já não lhe resta o mais leve vestígio de autoridade. Para começar, os portugueses não acreditam nele: prometa o que prometer, garanta o que garantir, faça o que fizer, em última análise, só aumenta o seu descrédito, o cepticismo do cidadão comum e a geral ansiedade do país. "Que andará ele a preparar?", é sempre o que se pergunta. 
O Governo, para efeitos práticos, deixou de existir. Pedro Passos Coelho criou primeiro um favorito (Vítor Gaspar), o erro mais destrutivo de quem manda. Depois, pouco a pouco, permitiu que o CDS se distinguisse do PSD na coligação. E, no fim, até nem evitou que se criassem grupos de oposição dentro do próprio ministério e no seu partido. Esperar que ele um dia acabe com esta macacada é uma fantasia. As falsas "remodelações" (por exemplo, Relvas por Maduro) não levaram a nada e, entretanto, taparam o caminho a uma verdadeira remodelação. O que se ouve do Governo não se distingue da cacofonia dos comentadores. O que valia ontem, não vale amanhã. O que se jurou solenemente no Parlamento, um pobre ministro ou secretário de Estado não hesita em desmentir, sem consequências, na semana seguinte. O caos cresce, e com Pedro Passos Coelho continuará a crescer.

Vasco Pulido Valente - Público

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