A GREVE GERAL
Escrevo no próprio dia da greve, esta coluna que só depois vai
ser lida. De qualquer maneira, arrisco uma previsão: mesmo correndo o melhor
possível para a CGTP e a UGT, a greve não irá mudar nada: nem a permanência ou
as políticas do Governo, nem a atmosfera da vida pública portuguesa, excepto se
provocar uma explosão de violência em Portugal inteiro (caso pouco provável,
pelo menos para a polícia). Por que razão, ou razões, não acredito na eficácia
deste protesto, teoricamente ameaçador e forte? Em primeiro lugar, porque
nenhuma greve geral na velha Europa como na Europa de Bruxelas jamais conseguiu
mudar fosse o que fosse, até no tempo em que a militância ideológica e
partidária era muito mais corrosiva e extensa. De resto, Passos Coelho já suportou
três greves gerais, com incómodo, com certeza, mas tranquilamente.
A segunda razão é a de que a greve, por natureza dispersa,
talvez junte algumas dezenas de milhares de pessoas no centro de Lisboa e do
Porto, mas não juntará mais de umas centenas no resto do país. Desde 2011 que o
português vulgar se habituou a este espectáculo e não parece que se comova
especialmente agora: os precedentes não encorajam a pensar que de repente as
grandes manifestações tenham as consequências que até hoje não tiveram. Depois, os trabalhadores de empresas privadas não querem
contribuir para lhes criar dificuldades, que põem em perigo o seu próprio
emprego; e uma parte talvez considerável de funcionários públicos, que o
Governo maltratou e espremeu, não tenciona dispensar outro dia de salário, sem
utilidade garantida.
Ao contrário da greve geral, com a sua ressonância
dramática, as greves que levam a efeitos práticos são sempre as de
trabalhadores do Estado, que dominam e conseguem rapidamente paralisar sectores
fundamentais da economia ou da sociedade: transportes, medicina, ensino e por
aí fora. Como toda a gente sabe, Nuno Crato acabou por se render, assegurando à
Fenprof (e ao Partido Comunista) a sua velha ditadura sobre a
"educação". Uma campanha hipócrita e piegas sobre as criancinhas,
que, segundo consta, sofrem uma insuportável ansiedade se um exame é avançado
ou adiado, bastou para dobrar o Governo e lhe raspar toda a sua arrogância. Os
paizinhos, claro, pretendiam principalmente que não lhes perturbassem os planos
de férias. Esta foi uma greve inteligente, conduzida com inteligência e com um
fim favorável aos grevistas. A greve geral não passa de uma homenagem obsoleta
a uma tradição morta.
Vasco Pulido Valente - Público
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