sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Ilusões para todos os gostos



O CHEFE DA OPOSIÇÃO

O dr. Mário Soares, numa das suas declarações proféticas, disse que Passos Coelho tinha dado um "presente envenenado" a Paulo Portas. Por um lado, acertou; por outro, errou. Antes de mais nada, os novos poderes de Paulo Portas, como qualquer político sabe ou devia saber, não foram um "presente". Mas que são um "veneno" não há dúvida nenhuma. O que me espanta é que o dr. Soares não perceba que esse mesmo "veneno" numa dose muito mais tóxica vai ser passado em 2014 ou 2015 para as mãos de António José Seguro ou, pelo menos, para as do PS: e que depois voltará o PSD (com ou sem o CDS), que imperceptivelmente empurrará o país para a consumação da sua desgraça e acabará por cair, sem o PS, como hoje, precisar de mexer um dedo. Este equívoco de Soares, e de quase toda a gente, assenta em ilusões quase incompreensíveis.
Primeiro, há a ilusão de que o Governo adoptou uma política assente na maléfica "teoria da austeridade", uma ideia americana (e falsa) de que a "austeridade" é compatível com o crescimento e até o favorece. Vítor Gaspar e Passos Coelho seriam uma nova espécie de fanáticos, incapazes de "ver" a realidade e as consequências do que faziam. Para a esquerda e para Soares, bastaria portanto que uma dúzia de cabeças socialistas, com a sua notória racionalidade e lucidez, substituísse essa enlouquecida trupe para que o país começasse a arrebitar. A segunda ilusão é a ilusão de que a Europa irá necessariamente abrir a bolsa para nos tirar de sarilhos, quando a Europa com dinheiro não só não quer abrir a bolsa, mas não quer abrir um precedente perigoso ou, pior ainda, inaugurar a irresponsabilidade geral.
A terceira ilusão inverte limpamente a aberração que se atribui ao Governo e sustenta que o crescimento é compatível com a "austeridade". E a última ilusão, a mais grave, de Seguro e da esquerda, está em que ganharão alguma coisa em "negociar" com os credores: um exercício que exige a confiança dos credores, que, se por acaso existisse, dispensaria negociações. Um velho ministro da Monarquia escreveu uma vez que não valia a pena discutir ininterruptamente no Parlamento e nos jornais, porque o chefe da oposição era o défice e o défice não se deixava convencer. A azáfama dos partidos por causa de uns votos para as câmaras roça o obsceno. Na penúria, e com a perspectiva de mais miséria, o único objectivo sério que lhes sobra é a sua própria sobrevivência. Só que o défice não lhes fará o favor. Nem à direita, nem à esquerda.

Vasco Pulido Valente - Público

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