NÃO LHES TOQUEM
Não há diferença entre uma expedição punitiva, como a que
Obama planeia contra a Síria, e uma guerra. Para ganhar uma guerra, são
necessárias três condições. Primeira, que os objectivos estejam bem definidos.
Segunda, que uma vez cumpridos, retirem radicalmente ao inimigo as
possibilidades de retaliação. E, terceira, que o agressor tenha um plano para
substituir o regime que liquidou ou caiu por efeito da sua ingerência. Na
Síria, a América não pode contar com nenhuma destas condições. Não existe
maneira de avaliar ao certo a que objectivos (muitos deles dispersos, depois do
anúncio oficial de Obama) os mísseis da América conseguirão chegar. A queda
imediata de Assad não parece fatal. E, pior do que tudo isso, não existe um
partido ou uma aliança política capaz de sustentar em relativa ordem um novo
regime.
As fronteiras da Síria com o Líbano, a Jordânia, o Iraque, a
Turquia e principalmente Israel permitem a Assad criar o caos na região e
alargar a guerra, hoje propagandeada como uma espécie de "operação cirúrgica",
a uma guerra regional em que, tarde ou cedo, o Irão também se envolverá. Diga
Obama o que disser, o que a América agora começar não acabará tão facilmente
como começou. Não surpreenderia ninguém que durasse tanto ou mais do que a
campanha do Iraque e a do Afeganistão, que continua sem fim à vista, excepto o
de uma retirada vexatória. O "castigo", porque Obama e, por exemplo,
Hollande, falam esta linguagem "moralizadora", corre o perigo de se
transformar num corpo-a-corpo universal para a recomposição
"nacional" e religiosa do Médio Oriente, que a Inglaterra e a França
talharam e retalharam em 1918 para os seus próprios interesses.
Sobre isto, a oposição na Síria (como, em parte, o partido
do Governo) é um aglomerado de grupos, que se detestam por razões religiosas,
políticas, tribais, linguísticas, geográficas, mas fundamentalmente étnicas.
Basta dizer que, quando era uma colónia da França, a Síria foi dividida em
quatro províncias, que entre si viviam isoladas e só comunicavam com Damasco.
Os famosos "liberais", de que a propaganda ocidental não pára de
falar, não passam de uma pequena "clique", sem força ou influência,
perdida na turbulência da guerra interna, para que, aliás, não contam. Obama
devia perceber, mas provavelmente os seus serviçais não o ajudam, que a
América, como a Europa, a China, a Índia e o Brasil - gente de outros mundos,
de outras culturas, de outras tradições -, não se pode imiscuir nos problemas
dos islamismos, sem grave risco para o Islão e para si mesmos.
Vasco Pulido Valente - Público
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