UMA GUERRA ABSURDA
Cameron foi proibido pela Câmara dos Comuns de intervir na
Síria por meios militares. Trinta deputados do Partido Conservador votaram
contra o Governo e também nove deputados do outro partido da coligação. Cameron
disse que tinha compreendido a ordem do povo e declarou que lhe obedeceria.
Nunca tinha acontecido antes que um primeiro-ministro perdesse uma votação
quando se tratava de decidir entre a guerra e a paz. Sucedeu agora. Apesar de
uma crescente dependência e disciplina, ainda apareceram nos grupos parlamentares
40 indivíduos que seguiram a sua opinião (e a sua consciência), em vez de
seguirem obedientemente a política do seu chefe e senhor. A lição que a Câmara
dos Comuns deu a Cameron não seria possível em Portugal. Em Portugal, a
Assembleia da República faz tudo o que lhe mandam.
E assim Obama ficou sozinho. E por culpa dele. Primeiro,
resolveu estabelecer perante o mundo a famigerada "red line" contra o
uso de gás. A seguir, ameaçou com uma intervenção, como se não precisasse de um
mandado da ONU ou sequer de esperar pelos peritos que foram à Síria. E, no fim,
acabou internacionalmente isolado, sem o apoio dos países do Médio Oriente
(tirando Israel), sem o apoio da "Europa" (tirando a França) e sem
apoio do próprio Canadá. Vai meter a América numa nova aventura (mais perigosa
do que a do Iraque e a do Afeganistão), acompanhado apenas pelo sr. Erdogan da
Turquia e pela Arábia Saudita, dois parceiros que não se recomendam. O
comportamento errático de Obama e as dezenas de erros que cometeu comprometem
um mandato estimável e provavelmente acabarão por inutilizar o segundo.
Pior do que isso, Obama não pretende liquidar o regime de
Assad (até porque não existe na Síria uma oposição capaz de o substituir) e
sabe muito bem que um "ataque cirúrgico" não mudará em nada a
situação estratégica. O que ele quer é castigar Assad pelo crime de matar com
gás 1400 pessoas (400 crianças) e, julga ele, impedir que o caso se repita. O
prestígio da América está em jogo, pensam loucamente os serviçais da Casa
Branca e Obama imagina que uma "pequena" intervenção da América não
trará consequências de maior. No que se engana: uma violenta retaliação de
Assad é susceptível de sublevar o Médio Oriente inteiro e, em última análise,
empurrar a América para uma longa, frívola e mortífera campanha. Que o sr.
Hollande, impotente e desarmado, se alivie de algumas cretinices que pesam no
seu doce coração não interessa muito. Mas que Obama o imite é com certeza
catastrófico.
Vasco Pulido Valente - Público
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