A QUESTÃO É OUTRA
Há uma década atrás, Portugal tinha o maior número de
restaurantes per capita entre os seus
parceiros europeus. Situação estranha num país acabado de sair da penúria,
mesmo que o aumento do consumo seja o primeiro reflexo de algum crescimento nas
economias subdesenvolvidas. Foi o que por cá se passou com o aumento do poder
de compra a ser dirigido para um acelerado consumo do imediato e efémero conforto,
disfarçado de subsistência. É verdade que muitos dos que trabalham nos centros
urbanos vindos das periferias precisam de almoçar fora de casa, tal como é verdade
que muitos dos que sofrem apertos na economia doméstica se fazem acompanhar da
marmita. E porque a vida não é só trabalho, depois da oficina, é preciso passear,
sei lá, pelo menos, jantar fora. Com certeza, porque não. Mas viver é muito
mais que sair do trabalho e entrar na Casa de Pasto. Querendo exemplos esclarecedores, basta verificar o número de restaurantes existentes nos países do
norte da Europa e a reduzida frequência com que essas criaturas vão celebrar ou
jantar fora de casa. Essa gente parece o português comedido do início da
prosperidade, antes de se dedicar aos nefastos excessos. Agora, o indígena constata como
duraram tão pouco esses hábitos e com que pressa voltou a cair na pelintra
realidade dos nativos.
Considerar o aumento do IVA na restauração (de 13% para 23%)
a principal causa do desaparecimento de muitas empresas do sector, é iludir o
problema. Foi com os primeiros sinais da crise e ainda nos últimos anos de taxa
reduzida que se iniciou a ruptura, com muitos estabelecimentos do ramo a não
resistirem. A razão fundamental que acentuou a crise nesta área dos serviços foi
a progressiva perda do poder de compra e a consequente diminuição do consumo.
Para agravar a situação, foi implementada uma vigilância fiscal mais organizada e
exigente dessas empresas, com incidência na facturação e na cobrança de impostos,
processo ainda bem longe de ser eficaz e produzir resultados que se traduzam numa
tributação mais controlada e equitativa. Motivos suficientes para ser uma insensatez pensar na redução de taxa deste imposto, tal como se mantém nos países comunitários
mais próximos. Antes de qualquer desagravamento, deve estar assegurado um rigoroso combate à evasão fiscal na
hotelaria e restauração. Entretanto, não falta quem agite a bandeira da baixa
do IVA mas ninguém está contar almoçar mais barato. Seria higiénico se nos
deixássemos de inventar novos embustes para acrescentar a tantas ilusões que têm
sido postas a nu. Já nos bastou a pesada dose de prosperidade fictícia.
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