ABAFAR O PAÍS
Seria de esperar que a execração universal pelos partidos
que existem, os do "arco governativo" e os da extrema-esquerda,
tivesse feito nascer novos partidos mais de acordo com os sentimentos do país.
Mas não fez. Nem sequer as grandes cisões do fim da monarquia: os Dissidentes
Progressistas e os Regeneradores-Liberais. Ficou tudo na mesma, com uma troca
de "chefes" no PS e no PSD e a relativa desgraça das clientelas que
os seguiam. Isto sugere duas perguntas fundamentais. Houve sempre um abismo
entre o regime e o cidadão comum, que vota mecanicamente ou conforme o seu
interesse e o seu capricho? Ou a própria organização do regime (incluindo a lei
eleitoral) impede o aparecimento de novas forças políticas, susceptíveis de
perturbar o concubinato vigente?
Para a eleição de 29 de Setembro, caíram do céu ou saíram do
chão umas dezenas de candidatos que se dizem independentes. Duvido que algum
deles ganhe. Por várias razões. Primeiro, porque precisam de dinheiro, que não
se vê onde o irão arranjar. Segundo, porque (com uma ou duas excepções) lhes
falta o apoio dos "notáveis" locais, que ainda comandam muitos votos.
Terceiro, porque a televisão e os jornais não os mostram, nem falam deles,
senão por acaso. E, quarto, porque o indígena médio não aprendeu a distinguir e
a avaliar o que politicamente lhe propõem. Só com entusiasmo de café e meia
dúzia de amigos, nenhum independente, por mais que se esforce, conseguirá
ganhar. Os velhos senhores voltarão aos seus lugares, com a maior tranquilidade
e o respeito geral.
O que, de resto, se compreende dentro da lógica do sistema,
porque os candidatos dos partidos (e, principalmente, os do "arco
governativo), conhecendo as luminárias de Lisboa (do governo e da oposição),
podem distribuir favores, por muito que a crise tenha reduzido essa benemérita
missão. Favores pessoais: contratos, "negócios", empregos,
privilégios; e favores para a "terra", como subsídios para a festa do
sítio ou a conservação de uma escola ou de um centro de saúde. Sem uma
"entrada" segura no Estado central, qualquer presidente de câmara
acaba paralisado e triste, tanto mais quanto mais pequeno for o seu concelho. O
eleitorado sabe disto e por isso escolhe e torna a escolher as
"figuras", que se mexem bem no partido e na burocracia. O Estado
central, por que hoje se tangem lacrimosos lamentos, conseguiu abafar o país.
Vasco Pulido Valente - Público
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