O ESPECTRO
Os comentadores discutem acaloradamente o critério que
determinará quem ganhou amanhã: se o número de votos, se o número de câmaras,
se o resultado nas grandes cidades do litoral, onde se concentra a parte do
país mais bem informada e mais bem-educada. Quase todos se pronunciam por uma
combinação dos três e dizem, com o olhinho a brilhar, que a noite de 29 vai ser
muito "interessante". Mas, no fundo, não têm razão, ou só a terão se
a coligação e o PS ficarem muito próximos, coisa que, pelo menos para mim, não
é de esperar. Nesta matéria de eleições locais, nunca se consegue saber ao
certo o que leva, em conjunto, Portugal para um lado ou para o outro. E, agora,
a complicação adicional de 80 independentes baralha irremediavelmente as
contas.
De qualquer maneira, suspeito que a reacção à crise ou, se
quiserem, à "política de austeridade", irá prevalecer por Portugal
inteiro, como os próprios candidatos do PSD não ignoram. Ora a legitimidade de
2011 é o último refúgio do Governo; e ninguém ignora, como Passos Coelho por aí
preveniu, que uma derrota no próximo domingo não implica a sua demissão.
Constitucionalmente de facto não implica. Mas não por acaso Balsemão acabou com
um pequeno desastre autárquico e Guterres se demitiu, resmungando furioso sobre
o "pântano" da política portuguesa. Se a coligação que nos pastoreia
perder claramente em votos (não interessam as câmaras, nem as grandes cidades),
perderá o resto da legitimidade que lhe sobra e ficará tão esvaída e fraca que
não voltará a poder impor nada a ninguém, por muito que chore e que se esforce.
A qualquer gesto do Governo, a resposta será sempre a que
ele já não tem a legitimidade de 2011 e que a maioria parlamentar em que se
apoia já vale muito pouco perante a desautorização do eleitorado. A guerra com
o Tribunal Constitucional e com o PS não passam de guerras de palavreado. Uma
guerra com o país, fortalecido pela consciência da fragilidade do CDS e do PSD,
promete uma agitação constante e um obstáculo real às miríficas reformas que a
troika exige. Os comentadores não gostaram que na campanha não se discutissem
as "questões locais", que interessavam à população local. Erro deles.
Nenhuma parte da população está interessada em "questões" locais. Na
campanha, por detrás das ridículas cerimónias do costume, pairava
infalivelmente o espectro da "crise". E esse espectro decidirá tudo.
Vasco Pulido Valente - Público
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