domingo, 29 de setembro de 2013

Só pela contagem dos votos...



O  ESPECTRO

Os comentadores discutem acaloradamente o critério que determinará quem ganhou amanhã: se o número de votos, se o número de câmaras, se o resultado nas grandes cidades do litoral, onde se concentra a parte do país mais bem informada e mais bem-educada. Quase todos se pronunciam por uma combinação dos três e dizem, com o olhinho a brilhar, que a noite de 29 vai ser muito "interessante". Mas, no fundo, não têm razão, ou só a terão se a coligação e o PS ficarem muito próximos, coisa que, pelo menos para mim, não é de esperar. Nesta matéria de eleições locais, nunca se consegue saber ao certo o que leva, em conjunto, Portugal para um lado ou para o outro. E, agora, a complicação adicional de 80 independentes baralha irremediavelmente as contas.
De qualquer maneira, suspeito que a reacção à crise ou, se quiserem, à "política de austeridade", irá prevalecer por Portugal inteiro, como os próprios candidatos do PSD não ignoram. Ora a legitimidade de 2011 é o último refúgio do Governo; e ninguém ignora, como Passos Coelho por aí preveniu, que uma derrota no próximo domingo não implica a sua demissão. Constitucionalmente de facto não implica. Mas não por acaso Balsemão acabou com um pequeno desastre autárquico e Guterres se demitiu, resmungando furioso sobre o "pântano" da política portuguesa. Se a coligação que nos pastoreia perder claramente em votos (não interessam as câmaras, nem as grandes cidades), perderá o resto da legitimidade que lhe sobra e ficará tão esvaída e fraca que não voltará a poder impor nada a ninguém, por muito que chore e que se esforce.
A qualquer gesto do Governo, a resposta será sempre a que ele já não tem a legitimidade de 2011 e que a maioria parlamentar em que se apoia já vale muito pouco perante a desautorização do eleitorado. A guerra com o Tribunal Constitucional e com o PS não passam de guerras de palavreado. Uma guerra com o país, fortalecido pela consciência da fragilidade do CDS e do PSD, promete uma agitação constante e um obstáculo real às miríficas reformas que a troika exige. Os comentadores não gostaram que na campanha não se discutissem as "questões locais", que interessavam à população local. Erro deles. Nenhuma parte da população está interessada em "questões" locais. Na campanha, por detrás das ridículas cerimónias do costume, pairava infalivelmente o espectro da "crise". E esse espectro decidirá tudo.

Vasco Pulido Valente - Público

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