PRODIGALIDADE E IMPROVISAÇÃO
Não sou capaz de escrever sobre as trapalhadas diplomáticas
que o dr. Rui Machete nos resolveu arranjar. Nem sobre o envolvimento da
ministra das Finanças com os chamados swaps. Nem sobre um governo com duas
cabeças, que não abre a boca senão para desdizer o que disse na véspera ou para
mentir com quantos dentes tem. A crise não desculpa tudo. Da crise não decorre
necessariamente o caos político a que nos levaram ou a inépcia da gente que nos
pastoreia. Era possível, em princípio, um pouco de ordem, dignidade e decência,
que não há, e já se viu que não vai haver. A feira que por aí se instalou só se
distingue da longa feira do velho Portugal histórico pela ausência de golpes de
caserna e de guerras civis, quase sempre encenadas. No resto nada mudou.
Paulo Portas de quando em quando rosna algumas frases sobre
os malefícios do "protectorado". Não se lembra com certeza que
vivemos sob o "protectorado" inglês, pelo menos, desde 1807, com uma pequena
atenuação durante a Ditadura, porque a Ditadura obedecia religiosamente ao que
Londres lhe mandava. Como hoje ele e o inconcebível escuteiro que passa por
primeiro-ministro obedecem à sra. Merkel. A sra. Merkel quer que Portugal se
torne na pequena Alemanha que ela fabricou: com salários relativamente baixos,
com um Estado social equilibrado e comportável, com uma produtividade decente e
uma economia sustentada pela exportação. E com ordem, segurança e zelo. A dama
não conhece Portugal e não compreende o absurdo desta receita.
Hergé percebeu melhor os portugueses. O sr. Oliveira da
Figueira é um retrato mais fiel do que nós somos do que as centenas de gestores
de gravata que por aí se passeiam e que Passos Coelho tão bem encarna e
simboliza: na sua conversa, na sua ignorância e nas fantasias que vende a um
público que ele julga crédulo e pateta. Hoje e amanhã, os ministros, reunidos
num especialíssimo conselho, irão aprovar um orçamento de remendos, de
retalhos, de uma ou outra ocasional trafulhice e em geral de uma suma e
desavergonhada hipocrisia. À prodigalidade sucede agora a improvisação. E a
improvisação não permite a ninguém planear coisa nenhuma. O país continuará ao
acaso no caminho da miséria e do desespero. Mas suspeito que Passos Coelho não
se incomoda. Como se incomodaria, se ele nunca pensa?
Vasco Pulido Valente - Público
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