AS FUNÇÕES DA RTP
Já se percebe por que razão Paulo Portas, num gesto único de
autoridade, não deixou fechar a RTP: o governo precisava, como sempre, de uma
estação que não hesitasse em fazer a sua propaganda. Qualquer propaganda, desde
o chamado "alinhamento" à desavergonhada fraude do programa de
anteontem O País Pergunta, um puro "tempo de antena" de Pedro Passos
Coelho. Não é por acaso que se escolheu a quarta-feira anterior à discussão e
apresentação do Orçamento (sábado, domingo e terça, 15). A maioria tinha de ser
amaciada, o público de ser metodicamente enganado e o primeiro-ministro de
estabelecer a sua supremacia na coligação. O País Pergunta conseguiu tudo isto
e, pior ainda, misturar à coisa um cheirinho democrático para maior sossego dos
tolos.
Como? Para começar, o director de Informação da RTP e o
apresentador Carlos Daniel "analisaram" e escolheram as perguntas que
o "país" podia fazer a Passos Coelho. Ostensivamente para evitar
"repetições"; na verdade, para evitar um embaraço ou uma surpresa ao
"chefe" da caranguejola que por aí se chama governo. O resultado
destes trabalhos preliminares permitiu ao interessado eliminar o que lhe
apeteceu e preparar à vontade as respostas mais convenientes. O que, em
princípio, não é difícil. O primeiro-ministro sabe o essencial do que se passa
(e do que se passou) na administração do Estado, ignora o "país"
quando lhe apetece e aproveita a oportunidade para se expandir por assuntos que
não vêm a propósito e se destinam a glorificar a sua política e a sua pessoa. Claro
que, para o "povo" ali "representado", não há espécie de
direito de réplica.
Na Inglaterra ou na América (onde a RTP foi buscar a
inspiração ao velho Face the Nation), o "país" não é um conjunto
aleatório e obediente de particulares, que o director de Informação
pressurosamente juntou. Quem fala por ele é normalmente um jornalista ou dois,
pouco susceptíveis de se intimidarem com o palavreado oficial e capazes de
mostrar a verdade que os políticos lhe querem esconder. A segurança da
pergunta-resposta não existe. Existe um debate duro, como existiria em Portugal
se à frente de Passos Coelho estivessem, por exemplo, Miguel Sousa Tavares,
Pacheco Pereira ou o meu amigo Rui Ramos. Em vez disso, como lhe compete, a RTP
preferiu a farsa. Uma farsa que o primeiro-ministro aceitou ou por falta de
inteligência ou por um oportunismo pueril e contraproducente.
Vasco Pulido Valente - Público
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