A NOSSA MANSIDÃO
Há duas semanas, um tribunal resolveu notificar o sr. José
Oliveira Costa para o julgamento de um novo "caso" do sr. Duarte
Lima. Para grande espanto do tribunal e da generalidade dos portugueses, o sr.
Costa tinha desaparecido. Passaram uns dias. A sra. ministra da Justiça, Paula
Teixeira da Cruz, declarou em público que achava "muito estranha" a
dificuldade de encontrar um indivíduo com "uma pulseira electrónica"
no tornozelo (ou no pulso).
A sra. ministra ignorava que o sr. Costa já não usava
qualquer "pulseira", que só estava sujeito à mais branda das
"medidas de coacção" (o "termo de identidade e
residência"), que se podia livremente ausentar durante cinco dias, quando
bem quisesse e lhe apetecesse e, pior ainda, que pedira um passaporte ao SEF, que
também não percebeu nada da trapalhada em curso.
O sr. Costa acusado da fantástica fraude do Banco Português
de Negócios é hoje a única personagem dessa santa façanha, de que a lei, a
televisão e os jornais se continuam a ocupar. Ao princípio, uma dúzia de
notabilidades pareciam implicadas no assunto. Mas, depois, pouco a pouco,
acabaram por se esquecer e conseguiram voltar ao doce conforto do anonimato,
com o nosso dinheiro. De qualquer maneira, custa a acreditar que o sr. Costa
fizesse pessoalmente e sob sua única responsabilidade afundar o BPN e roubar a
quantidade de contribuintes que o banco roubou. Com certeza que o ajudou um
considerável número de colegas, com influência financeira e política. E, no
entanto, ninguém abre a boca sobre esses beneméritos, que já foram semi-reabilitados
e aparecem, como quem não quer a coisa, nos restaurantes de Lisboa e até na
sede de um partido.
O Estado tem hoje 12.000 processos contra os devedores do
BPN e anda em negociações (suponho que amigáveis) com mais 6000. No meio disto,
o sr. Costa é um colaborador ou simplesmente um bode expiatório, destinado a
proteger os seus cúmplices e a esgravatar por aqui e por ali uns tostões para o
governo? Mas, mais grave do que tudo o resto, porque misteriosa razão, cinco
anos depois do "escândalo BPN", os tribunais não o puseram ainda no
banco dos réus, com o bando de cúmplices que o serviu? Por medo de revelações
que não convêm ao regime ou parte dele? Por dificuldades jurídicas? Por mero
excesso de papelada? Nós somos de facto um povo muito manso.
Vasco Pulido Valente - Público
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