quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Quadrilhas políticas domésticas




A  LOUCURA

Apesar da CNE, a televisão acabou como sempre por influenciar os resultados de 29 de Setembro. Em primeiro lugar, os partidos começaram por escolher personalidades da televisão, pelo menos, para as grandes cidades. Claro que ninguém discutiu o lugar e os direitos de António Costa. Mas convém lembrar que António Costa teve durante muito tempo uma sessão de propaganda semanal na Quadratura do Círculo e que, com a prestante ajuda de Pacheco Pereira, conseguiu impor a imagem de um homem informado, inteligente, conciliador e calmo. Muitos dos votos que o eleitorado lhe deu vieram directamente da SIC. Já o abismo entre o comentário desportivo e a política séria engoliu facilmente o sr. Seara, que, de resto, não se ajudou a si próprio com uma campanha incoerente e megalómana.
Verdade que Rui Moreira também aproveitou de um programa de futebol que o tornou uma figura nacional. Mas, nesse programa, Rui Moreira representava o FC do Porto, que o patriotismo paroquial do sítio recebeu com o entusiasmo do costume, e era, além disso, um bom representante da burguesia indígena, na qual (apesar de Camilo) a cidade se continua a rever. Até os velhos mitos do cerco do exército liberal na guerra civil de 1832-34 se foram buscar. Seja como for, na noite de 29, Rui Moreira passou a encarnar a rejeição dos partidos, que ele mesmo sublinhou no discurso final em que longamente falou no "Partido do Porto" e na superioridade dos portuenses. Pior ainda, por aqui e por ali, apareceram outras personagens parecidas de vária pena e pinta. E não se pode dizer que por acaso.
O facto de 54,6% dos portugueses se terem recusado a eleger os partidos do regime (o PS, por exemplo, na sua enorme vitória, perdeu quase 200.000 votos) é uma condenação drástica da II República. Como a desordem constitucional a partir de 1890, embora moderada pelo rei, claramente anunciou o fim da Monarquia. Basta ver as reticências com que António Costa conseguiu não se pronunciar sobre o cumprimento do seu mandato, e as cenas de faca e alguidar do último conselho nacional do PSD, para se perceber que estes dois pilares do "arco governativo" não estão muito preocupados com o destino do país. No meio da miséria e da falência o que preocupa é a ambição das quadrilhas domésticas, que o ódio, a inveja e o ressentimento transformaram num objectivo absoluto. A loucura tomou conta da República.

Vasco Pulido Valente - Público

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