A LOUCURA
Apesar da CNE, a televisão acabou como sempre por
influenciar os resultados de 29 de Setembro. Em primeiro lugar, os partidos
começaram por escolher personalidades da televisão, pelo menos, para as grandes
cidades. Claro que ninguém discutiu o lugar e os direitos de António Costa. Mas
convém lembrar que António Costa teve durante muito tempo uma sessão de
propaganda semanal na Quadratura do Círculo e que, com a prestante ajuda de
Pacheco Pereira, conseguiu impor a imagem de um homem informado, inteligente,
conciliador e calmo. Muitos dos votos que o eleitorado lhe deu vieram
directamente da SIC. Já o abismo entre o comentário desportivo e a política
séria engoliu facilmente o sr. Seara, que, de resto, não se ajudou a si próprio
com uma campanha incoerente e megalómana.
Verdade que Rui Moreira também aproveitou de um programa de
futebol que o tornou uma figura nacional. Mas, nesse programa, Rui Moreira
representava o FC do Porto, que o patriotismo paroquial do sítio recebeu com o
entusiasmo do costume, e era, além disso, um bom representante da burguesia
indígena, na qual (apesar de Camilo) a cidade se continua a rever. Até os
velhos mitos do cerco do exército liberal na guerra civil de 1832-34 se foram
buscar. Seja como for, na noite de 29, Rui Moreira passou a encarnar a rejeição
dos partidos, que ele mesmo sublinhou no discurso final em que longamente falou
no "Partido do Porto" e na superioridade dos portuenses. Pior ainda,
por aqui e por ali, apareceram outras personagens parecidas de vária pena e
pinta. E não se pode dizer que por acaso.
O facto de 54,6% dos portugueses se terem recusado a eleger
os partidos do regime (o PS, por exemplo, na sua enorme vitória, perdeu quase
200.000 votos) é uma condenação drástica da II República. Como a desordem
constitucional a partir de 1890, embora moderada pelo rei, claramente anunciou
o fim da Monarquia. Basta ver as reticências com que António Costa conseguiu
não se pronunciar sobre o cumprimento do seu mandato, e as cenas de faca e
alguidar do último conselho nacional do PSD, para se perceber que estes dois pilares
do "arco governativo" não estão muito preocupados com o destino do
país. No meio da miséria e da falência o que preocupa é a ambição das
quadrilhas domésticas, que o ódio, a inveja e o ressentimento transformaram num
objectivo absoluto. A loucura tomou conta da República.
Vasco Pulido Valente - Público
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