MUDAR LISBOA SEM DINHEIRO
A crise não permite que se façam em Lisboa grandes
melhoramentos. Mas limpar a cidade e a câmara do pior que têm não custa muito
dinheiro e até o poupa. Um presidente que limpe meia dúzia de aberrações com
que a incompetência ou o fanatismo alheio nos resolveu vexar, mereceria o voto
de toda a gente. Só que nisso os vários partidos que passaram pela Praça do
Município sempre ignoraram o óbvio. Por exemplo:
O topo do Parque Eduardo VII devia pura e simplesmente ser
demolido: as duas colunas com coroas de louro que não significam nada, nem
aludem a nada, o pénis de João Cutileiro (salvo seja), tão primitivo e
desinteressante como ele mesmo; e a Penitenciária, sem qualquer interesse
arquitectónico, que parece saída de uma Disneylândia do Cartaxo. Os símbolos de
Lisboa não podem ser estes ridículos trambolhos. Quanto ao parque, um exemplar
perfeito do gosto mussoliniano, os lisboetas com certeza agradeciam que fosse
unificado e transformado num jardim propriamente dito, para passear, correr,
jogar, beber um café ou simplesmente para levar as crianças (não há outro
sítio) e pensar na vida.
A Alameda D. Afonso Henriques, principalmente na parte de cima,
precisava de um tratamento parecido. Com um jardim do IST à Almirante Reis. Os
bairros secos daquela zona, sem uma árvore, sem uma sombra, sem sequer uma
esplanada longe do trânsito, mudariam radicalmente. Como mudaria a Praça do
Areeiro se alguém se atrevesse a remover de raiz o grotesco monumento a Sá
Carneiro, em que aparece uma cabeça dele, de vagas semelhanças com o original,
e um ar decapitado, que ninguém percebe.
Na Alameda da Universidade, lá estão ainda os relvados sem
uso, enquanto o parque do Campo Grande se degrada. Não custaria muito tornar
aquilo num jardim agradável, que ajudasse a dissolver a arquitectura
"monumental" de Pardal Monteiro, tanto mais ridículo quanto se sabe o
que sucede dentro daquelas majestosas paredes. Existem centenas de medidas como
estas, que dariam aos lisboetas o sentimento de viver numa cidade alegre e
confortável. São baratas (relativamente) e algumas talvez acabassem por ser
rentáveis. Mas na câmara ninguém pensa nisso, por conformismo ou porque a
vereação gosta mais do produto das suas cabecinhas, que, infelizmente, tende a
deprimir o inocente cidadão.
Vasco Pulido Valente - Público
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